Hudson Pereira é nascido no Rio de Janeiro, em 1986. Poeta e Professor, formado em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), ganhou menção honrosa na categoria Poesia, do Prêmio UFF de Literatura, em 2014. É autor de dois livros: “Café Expresso e Outros Poemas”, de 2016, e que recentemente ganhou nova edição, e “a tempestade vem por dentro”, de 2020. Já participou de importantes antologias nacionais, além de fanzines. Também escreve para diversos blogs,  onde expõe boa parte de suas obras.

corpo narcótico

o corpo é ilegal
o corpo é imoral
o corpo é contraventor de intenções
o corpo contrabandeando ilusões
o corpo é político e doutrinador

o tesão muda o rumo da pátria
o desejo assume uma nova prática

mil novecentos e cinquenta,
parece que ainda estamos

conscientes ou não
dopados ou não
nos entregamos

no crime que é ser
como somos.

os dias se tornam mais árduos com o passar dos anos

os dias se tornam mais árduos
com o passar dos anos
e os anos se tornam mais curtos
com o erguer dos muros
e os muros se tornam mais altos
com o soar dos alarmes
e os alarmes ficam mais frequentes
com o ranger dos dentes
e mais dentes foram quebrados
com o perfurar dos dados
e mais dardos foram lançados
com o cair dos alvos
e mais alvos foram abatidos
com a ascensão dos mitos
e mais mitos foram forjados
com a proliferação dos ratos
e mais imundo ficou o mundo
e mais obstruídas as engrenagens

eles contaminam nossa água,
mas não minam nossa coragem.

corpus christi

tudo que é vivo
é mais vivo ainda quando olhado de perto
as formigas,
as rugas nos cantos dos olhos,
o cu, a gengiva,
os nossos poros,
tudo se expande e acaba não parecendo o que é

mas um corpo morto não é
para ser visto de perto
ele já não é, nem virá a ser
e nem continua o que foi ao certo

talvez por isso, a gente não se espante tanto
com um corpo morto no meio do caminho,
e desvie dele pela rua como de um objeto aparente
a gente esquece que ali teve vida
a gente esquece que aquilo é a gente.

equilíbrio instável
para Paul Klee

simbolicamente
estamos todos presos
ora aos gritos, ora ofegantes
mas, jamais ilesos

a vida se revela uma
obra de arte incompreensível
um zeitgeist absurdamente perturbador
e nada verossímil

realisticamente
estamos também presos
numa redoma invisível
de incontáveis pesadelos

e o que talvez nos redima
o que talvez nos acalme
quem sabe nos explique e nos salve

seja essa incompreendida
e subestimada arma
chamada arte.

*Poemas do livro “a tempestade vem por dentro”, Dowslley Editora, 2020.

CONTATO

seu corpo
sobre o meu
se espalha
feito
água
da chuva
na calha.

CAFÉ EXPRESSO

Num dia de frio e céu pálido
é a melancolia que fala
enquanto caminho calado
pela Avenida Rio Branco
buscando um certo encanto
nesse inverno sarcástico.
Sou o carioca que
gosta do tempo nublado, e
perambula em silêncio
no centro da cidade,
fumando um cigarro
atrás do outro
para aliviar o desconforto
sem sucesso,
e que senta num Café na
Cinelândia e pede um expresso.
Vejo assim o seu nome nas luzes de
néon.
Vejo assim seu rosto nos cartazes do
Odeon.

*Poemas do livro “Café Expresso e outros poemas”, Dowslley Editora, 2021.