Luiz Antônio Simas nasceu no Rio de Janeiro, a 2 de novembro de 1967. Poeta, escritor, professor e historiador, é autor de mais de dezenove livros sobre cultura brasileira, história social, filosofia popular e religiosidades. Também tem diversas canções gravadas e artigos publicados em jornais e revistas. Mestre em História Social, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, dedica-se a pesquisar a cultura afrodiaspórica carioca, como as escolas de samba e os terreiros das religiões de matriz africana. Em sua obra procura resgatar a memória oral da cidade, especialmente da população marginalizada. Recebeu, em 2014, por serviços prestados à cultura do Rio de Janeiro, medalhas conferidas pela Câmara Municipal. Em 2016, em parceria com Nei Lopes, venceu o 65º Prêmio Jabuti (categoria Teoria/Crítica Literária, Dicionários e Gramáticas), com o livro “Dicionário da História Social do Samba”.
O GOL
Quando, por três, Tostão passa ciscando
Metendo caneta em Bobby Moore
A velha Albion cai no gramado
E a flecha entorta Excalibur
Cruzada, a redonda vê o Rei
Soberano como o Manicongo
Que, preciso como arqueiro zen
Sente um furacão rente ao ombro
E a bola, rolada com brandura,
Só espera a bomba do Miúra
E é gol do sete marupiara!
Socam o ar canários amarelos
Feitos as ibejadas nos terreiros
No meio-dia de Guadalajara
COTANDO O BICHO
No dia de São Jorge, em abril
Na falta do dragão na zooteca
A banca adota velho ardil
Cotando o cavalo em merreca
No dia da Portela campeã
(Conquista que já foi mais rotineira)
A banca determina: amanhã
Contem a águia em Madureira
O bicho tem lá sua compliance
E quem quiser fazer a fé que dance
Nos conformes da música tocada
Quando o Maradona foi oló
Malandro apostou no dez sem dó
E a milhar do burro foi cotada
A CHEGADA DOS BICHOS
O avestruz, a água e o burro
São da trinca que chama a bicharia
Depois a borboleta e o cachorro
Trazem a cabra para a loteria
O carneiro, o camelo e a cobra
Recebem o coelho e o cavalo
Reticente, a memória recobra
Que após o elefante vem o galo
O gato, o jacaré e o leão
O macaco, o porco e o pavão
Vaidoso com seu canto pupilado
DESCULPAS AO PORCO
(O TORRESMO)
Não afirmo ser coisa do divino
Conduzir-te até o meu estrombo
Réu confesso, lamento teu destino
Pingo limão galego no teu lombo
Na meiuca da cidade insana
Sou mais um que caminhando a esmo
Busca praticar a fé que emana
Do ato de comer um bom torresmo
Decerto os melhores são de Minas
Mas aqui, em recônditas esquinas,
Te devoramos como os malinos
E quixotes ébrios te saudamos:
Perdoai nossa sanha de humanos
Na paz do paraíso dos suínos
NA FONTE
Um dia, Mussum deu a ideia
E Guineto na pilha do pitaco
Adotou sacudiu a aldeia
Com o banjo num braço de cavaco
A Penha sambou no firmamento
Tremeu tamarineira no Cacique
Batendo o anel no instrumento
Ubirany criou novo repique
Como se pouco fosse o invento
O sereno no surdo deu um tempo
E o tantã mudou a porra toda
No sapato, Bira ciscou no risco
Beth escutou e levou pro disco
A vida recriada como roda
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*Poemas do livro “Sonetos de Birosca & Poemas de Terreiro”, Editora José Olympio, 2022