Nei Braz Lopes nasceu no dia 9 de maio de 1942, no Rio de Janeiro. Poeta, compositor, cantor e pesquisador das culturas africanas, é um dos principais nomes do samba carioca, ligado ao carnaval e às escolas Acadêmicos do Salgueiro e Vila Isabel. Ganhou fama também por grandes parcerias musicais feitas com artistas como Wilson Moreira, Ivan Lins e Ed Motta. Sua carreira literária iniciou-se em 1981, desde então vem publicando, além de contos, romances e poesia, uma vasta obra de estudos históricos, principalmente de cunho pedagógico, centrado em dicionários e uma enciclopédia, onde revela origens e crenças das culturas africanas, tanto na África como depois, durante as diásporas.

21 DE NOVEMBRO

Ontem lá fora os atabaques
Alegres andantinos imoderados
Peles plásticas reluzindo
Marcas
De fábricas com-correntes
Repicavam, rumpilescos.
Na cadência,
Cabeças returbantes
Afropenteadas
Volteavam saias
Coloridas
De empoderados
Empreendedorismos.
Boca escancarada
O Mercado
Abrindo-se ao ar livre
Exercia-se amplo
Ao som de vozes e violas
Amplificadas
Soando e ponteando
Caixas de guerra
Registradoras.

TEMPO

A lei do tempo
Me pede um poema
E eu lhe peço um pedaço.

Concedido, obedeço
E trago
Estas fumaças
De reminiscências.

LIVES MATTER

O ser negro — o ser preto
Negro Black — Nègre — Noir
Schwarz…
De que importa?

O que vale é a vida
Ter a chave do
Saber e
Poder
Abrir portas e comportas.

CRENÇA

O Deus da nossa aldeia
Não é uma pessoa
Muito menos um tirano
Um vigia de nós pobres humanos
Registrando nossos deveres e haveres
Pra brindar a uns
Presenteando prazeres
E a outros destinando dores/dissabores.
Muito menos é um Deus de algoritmos
Com soluções calculadas
Para cada um de nossos impasses.

O Deus da nossa aldeia
É o que nós levamos simplesmente
Ao nosso jeito
Dentro da mente da gente e
Latente em nosso peito.

VOLÁTIL

Há aquele que voa
Para encurtar distâncias
E outro que o faz
Para distanciar-se.

E aqueloutro que voa
Para aproximar-se
De outras instâncias
De luz e de paz
E o que quer sempre mais
Alturas de aparências.

Se um voa pela pompa
E outro por circunstâncias
A um, o fim de Ícaro
De chegar aos píncaros
E derretem-se as asas
O orgulho em brasas.
A outro, o condão
da perpetuidade
E permanência
Da essência.

*Poemas do livro, “Oitentáculos”, Editora Record, 2022.