Álvaro Pacheco nasceu em 28 de novembro de 1933, no Piauí. Poeta, escritor, jornalista e advogado, foi um importante nome da poesia piauiense, ganhando notoriedade nacional e admiração de grandes poetas da sua geração, como Carlos Drummond de Andrade. Radicou-se no Rio de Janeiro em 1959, onde publicou grande parte de sua obra. Em relação à poesia, Pacheco tem uma poética caracterizada por misturas estéticas clássicas com as modernas, conciliando cenários urbanos e rurais, para aprofundar temas filosóficos, sem perder a espontaneidade do pensamento livre.

OBSTINAÇÃO

Vou, em silêncio
plantando minhas sementes
nas pedras rubras da estrada
nos ventos  acres do outono
nos olhos céu da manhã.

Sei que alguém me ouvirá.

GENÉTICA

E meu gens partiu-se ao meio
lá se foi o brilhantismo
do homem que nunca veio
dêsse dia de batismo.

Cruzou-se o cromo e a soma
de tudo que eu ia ser
perdeu-se êsse cromossoma
não nasci nem vou nascer.

Cruzo fome com silêncio
meu sangue com meu andar:
meus passos se cruzam passos
vou passando sem passar.

OS QUATRO ELEMENTOS

Tenho quatro elementos
e com êles multiplico:

tenho o sal que é a fome
e a soma e o que é sem nome

tenho o sangue, a mistura
do sal e da criatura

tenho o sonho, o resultado
do sal e do sangue guardado

tenho o silêncio, o exangue
do sal, do sonho, do sangue.

E tudo multiplicado
dá a vida cavalgando
o homem, com a morte atrás.

TU

Teu sono cama implora
o sapo dorme em ti
por lamaluz linóleo.
Tua pele impermeável
o barco não afunda
nem chega a mar algum.

Teus olhos virar mundo
de ver o centro do ventre
em sêde extasiada.
Tua bôca pura brama
espuma tempo antigo
em ti a se borbulhar.

Teu mundo não começa
morre sem te esperar
já no vão de tua porta.

E, ah, tu, tão pobrezinho,
encolhido embaixo dêle:
que fazer, a quem culpar?

POÉTICA – 1

Renasço e me comovo
sou a dor do povo
e na aurora desmembrado
liquefaço a sombra.

Me debato inútil
em meu pobre riso
me encarcero e fujo
ontem: paraíso.

DECLARAÇÃO DE AMOR

Onde a palavra exata
mais rente e sem floreios
pra dizer você?

Onde a montanha alta
para escalar e, ilhado,
encontrar você?

Onde o mais claro sonho
para aclarar e nêle
situar você?

E onde êsse mar mais bravo
para afundar e nêle
morrer em você?

A MORTE

A morte, calma
porta (sem luz) para o infinito.

A morte, sentado(s)
espera(mos) ultrapassá-la.

A morte, a fala
sem côr (volátil).

Ouvi-la.

*Poemas do livro “MARGEM RIO MUNDO”, Editora Artenova, 1966.