Rita Frances Dove nasceu em Akron, Estados Unidos, a 28 de agosto de 1952. Poeta e ensaísta, é uma das mais laureadas escritoras do país. Em 1987, venceu o Prêmio Pulitzer de Poesia e consagrou-se como a segunda afro-americana a receber o prêmio. Seus poemas são amplamente difundidos pela América, atravessando gerações no país, o que a torna uma das principais vozes femininas da poesia negra estadunidense.

Devaneio ao ar livre

Reconheço meu status de pessoa estranha:
Roupas inadequadas, hábitos incomuns
Fora da sincronia com vespa e passarinho
Admito que não sei como
Ficar quieta ou me mover sem um propósito.
Prefiro livros à luz do luar, estátuas a árvores.

Mas este gramado foi nivelado para ser contemplado,
Então, tiro as sandálias e caminho na grama fresca.
Quem disse que somos apenas músculos e fluidos?
Meus pés são os primitivos aqui.
Quanto ao resto – ah, o ar agora
É um tônico de ausência, trazendo apenas
Notícias de uma brisa.

Saída

Justo quando a esperança se esvai, o visto é concedido.
A porta se abre para uma rua como nos filmes,
Sem gente, sem gatos; só que é a sua rua
você está indo embora. O visto foi concedido,
“provisoriamente” – uma palavra preocupante.
As janelas que você fechou
estão ficando rosadas, fazendo o que fazem
a cada amanhecer. Aqui é cinzento. A porta
do táxi espera. Esta mala,
o objeto mais triste do mundo.
Bem, o mundo está aberto. E agora através
do para-brisas o céu começa a corar
como você quando a sua mãe lhe disse
o que era preciso para ser uma mulher nesta vida.

Testemunho

No tempo em que a terra era nova
e o céu apenas um sussurro,
quando os nomes das coisas
não haviam tido tempo de se fixar;

quando as mais suaves brisas
derretiam o verão em outono,
quando todos os álamos tremiam
docemente enfileirados…

o mundo chamava e eu respondia.
Cada olhar se transformou em um olhar fixo.
Recuperei o fôlego e chamei isso de vida,
desmaiei entre colheradas de sorvete de limão.

Eu era pirueta e florescimento,
Eu era filigrana e chama.
Como eu poderia contar as minhas bênçãos
Se eu não sabia os seus nomes?

Quando tudo ainda estava por vir,
a sorte escorria por todos os lados,
Eu fiz a minha promessa ao mundo
e o mundo me seguiu até aqui.

Trans-

A lua está em dúvida
se deve ser
um homem ou uma mulher.

Tem havido rumores,
todo o tipo de alegações,
afirmações ousadas e mentiras públicas:

Ele é beligerante. Elas está deprimida.
Quando ele desaparece, o mundo oscila.
Quando ela cresce, o crime floresce.

Oh, como o impulso operático vacila!
Mergulhe fundo, minha querida, na piscina vazia.

Senhora liberdade entre nós

não baixe os olhos
nem olhe diretamente para onde
você acha que deveria ir

não murmure oh não
outro não
arrume um emprego, empine pipa
vá enterrar um osso

com suas sandálias antiquadas
com suas saias plúmbeas
com bochechas e bigodes manchados e bugigangas empilhadas
ele se levantou em reprovação contundente

colocou o cabelo debaixo de um boné de segunda mão
e o enfeitou com penas e estrelas
sobre os ombros ela carrega
As camadas arco-íris da caridade e murmura
todos vocês, até o menor de vocês

não atravessem para o outro lado da praça
não pensem em outra atração para o itinerário de um turista

considerem o seu olhar úmido a sua testa brilhante
ela que trouxe a misericórdia de volta às ruas
e não se retirará educadamente para o campo do oleiro

tendo assumido a pele grossa desta cidade
sem fuligem áspera, seu sol escaldante e sua sombra
ela descansa na sua plumagem envelhecida
forte e resoluta

não pense que você pode esquecê-la
nem sequer tente
ela não vai ceder

não há escolha senão conceder seu espaço
coroá-la com o céu
porque ela é uma de muitas
e ela é cada uma de nós

*Poemas do livro “Você lembrará seus nomes – Antologia de Poeta Negras dos Estados Unidos do Século XX”, Editora Bazar do Tempo, 2024. Tradução de Luana Moreira