Maria Rita Rodrigo Octavio Moutinho, nasceu no Rio de Janeiro, em 28 de junho de 1951. Poeta e pesquisadora carioca, tem seis livros de poesia e um de ensaios: A hora quieta (1975), A trança (1982), Uma ou duas luas (plaqueta), 1987, Vocabulário: um homem (1995), Romanceiro dos amores (1999), Soneto do amores mortos (2006). Foi editora de pesquisa da Enciclopédia da literatura brasileira. Atualmente chefia o setor de Lexicografia da Academia Brasileira de Letras.

Soneto da mensagem do jardim

Soube notícias dele: vai vivendo.
Passeio no quintal emurchecido
com a brisa escorregando dos meus dedos
e os perfumes dormindo sob os limos.
Secaram as flores sem o amor das regas,
e contam nossa história só gravetos,
ossos imóveis, nus da primavera
que habitou pelos anos o terreno.
Soube notícias dele: vai vivendo.
E o que faço plantada em chão de trevas?
Cedo minha raiz à mão do vento
que espalha também no ar mortas quimeras.
.                 Digo-me seca, pisando do ex-jardim:
.                 Suicidou-se somente para mim.

Sonetos de pedras sem atrito que faíscam

O corpo do passado ardeu em pira,
mas a alma do amor despeita velas:
em espermacete o fogo não expira,
numa bobeche interna te protelas.

Para o descasamento, um tropel de ira
pisoteou o fogoso com querelas,
mas, ido, o outrora volta, a vida gira,
e chamas ressuscitam instâncias belas.

De olhos abertos ou em sonhos mis,
amarelos, laranjas e anis,
êxtases luziluzem ainda em mim.

E há dois fachos de nós que não têm fim;
não fogos-fátuos, mas eternos brilhos
do nosso amor cintilam em nossos filhos.

Soneto de desapego aos motivos de fim

Os motivos de fins são variados,
uns têm nomes, são claros, mas a lei
do desamor às vezes é cansaço,
letargia que nunca decifrei.
Ficar anos pensando nos retornos
foram ampulhetas que desperdicei.
Uma sombra maior do que meu corpo
foi cauda que até hoje arrastei.
Cravo faca em algodões crus, compactados
com o que nunca entendi, mas que tentei.
Acabaram-se amores, não curá-los
ao sol e sim ver sonhos que plantei.
.          Fiar a seda de mais nobre motivo:
.          aquele que amanhece um amor vivo.

*Poemas do livro “Sonetos dos Amores Mortos”, Lacerda Editores, 2013.