Omar Salomão nasceu no Rio de Janeiro em 1983. Filho do poeta baiano Waly Salomão, é multiartista, poeta, designer e cenógrafo. Mestre em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC-Rio, atualmente faz doutorado em Romance Languages and Literatures com secondary field em Critical Media Practice pela Harvard University. É autor de, entre outros, Pequenos Reparos (José Olympio, 2017) e Impreciso (Dantes, 2011). Participou de exposições como a 3a Bienal de Arte da Bahia e 18o Festival Internacional de Arte Contemporânea Sesc Videobrasil, além de individuais como Você vê os pássaros? Sempre quis que você visse os pássaros daqui (Silvia Cintra + box4, RJ, 2017), Nebula: A sombra das nuvens manchando a cidade (Oi Futuro Ipanema, RJ, 2015), Influxo (Superfície, SP, 2015) e Turbulências são apenas nuvens no caminho (Mercedes Viegas, RJ, 2011), entre outras. Foi curador com Heloisa Buarque de Holanda e Bruna Beber da exposição BLOOKS (Oi Futuro, RJ, 2007) e com Anna Dantes de A Biblioteca de Grifos de Waly Salomão (Biblioteca Parque Estadual, RJ, 2014).

SONHO / DESEJO

Observo você
Pelas câmeras de segurança
Pela tela da TV

Tento
Não consigo (lhe) alcançar
Onde você está?

Um arame farpado
Um sorriso roubado
Acordo do sono

E se o que tenho não é desejo
Apenas sonho

Por que te vejo em todo canto?
Por que te vejo onde você não está?

(e as grades me cercam por fora)

Observo você
Pelo vidro esverdeado
Freio de mão puxado
E o sono roubado
Cada porta que abre
Espero encontrar

Tento
Não consigo lhe alcançar

A cada metro quadrado
Um minuto perdido
E não vejo você passar
Cada porta que abre
Espero encontrar

A ferrugem escorre
E me consome devagar

É tarde.

ESTRATAGEMA

Atacar como um raio
Direto na jugular
Sem direito à reação

Apagar as pistas
Suprimir os detalhes
Eliminar o olhar
Liquidar o motivo
Alcançar o sublime
E sair calmamente
Pela porta da frente

Sem deixar restos
Sem deixar rastros

A IMAGEM DO INSACIÁVEL

Um grito
Atravessando o estômago e os pulmões
Mudo, engulo a seco

A imagem insaciável de um desejo
Duas simples palavras
E o céu se rasga

Um grito urge
Arranhando a garganta
E fugindo-me à boca

Arriscar o passo em falso
Entregar-se ao momento
seguinte.

Sem parar nem ao menos

.                                               para respirar.

PERÍMETRO URBANO

fluxo ininterrupto
correnteza virulenta
barulho, calor, poeira,
raiva, ira, ódio

catarse dos resquícios de sanidade
voracidade febril

impossível frear o impulso assassino

O VAZIO ESTILHAÇADO

A janela se abre
e o vento bate
jogando folhas ao chão

O vazio se estilhaça

A solidão me estraçalha

Por entre paredes,
sussurros e vozes

Por entre portas,
espaços vazios

Palavras caem fáceis no papel
Escorrem dolorosas
as lágrimas

A janela se abre
e o vento bate

No pranto recolhido,
As palavras se dissolvem na dor

À DERIVA

Em pleno alto mar
Perco-me de vista

Velas hasteadas,
Mapa, bússola, astrolábio e radar
Aguardo por alísios ventos
Que me levem para longe
Quem me ponham a navegar

Saio à caça de algo
Um arpão vara o céu
Em meio ao nevoeiro
Não encontro garrafas, barcos ou camaradas

Deitado na rede
Uma voz grave me sussurra histórias de
Iemanjá

Miro o céu sem estrelas
E peço por alguém que me dê
um sopro de ar.

*Poemas do livro “À Deriva”, Dantes Editora, 2005.