Francisco Brines Bañó, nasceu em Valência, Espanha, a 22 de janeiro de 1932. Poeta, escritor e Professor de Literatura e Língua Espanhola nas Universidade de Cambridge e Oxford, respectivamente, foi um dos principais nomes da poesia em seu país durante a segunda metade do Século XX. Acadêmico da Real Academia Espanhola, foi reconhecido por diversos prêmios, como o Prêmio Nacional de Letras Espanholas, de 1999; o Prêmio Rainha Sofia de Poesia Ibero-americana, em 2010, e, principalmente, o Prêmio Miguel de Cervantes, no ano de 2020.

A obra poética de Francisco Brines caracteriza-se pelo tom intimista e melancólico para abordar constantes reflexões sobre o tempo. Em sua escrita, a infância aparece como um passar de acontecimentos míticos que desconhecem a morte. Já como adulto se mostra alguém mais sóbrio que deixa naturalmente as ilusões infantis para encarar a realidade do mundo. Um amplo setor da crítica cataloga sua obra no “capítulo elegíaco” da Poesia Espanhola do Século XX,​ sendo um continuador de poetas como Luis Cernuda e K. Kaváfis.

Francisco Brines morreu em Gandía, Valência, Espanha, no dia 20 de maio de 2021.

MADRIGAL A D.K.

De quantas almas eu tivesse,
aquela que ao meu corpo deu vida
nestes anos de prodígio,
é a que mais amei.

Você vê que se você se for embora
eu voltarei à saudade da criança que fui,
da criança que tinha tanto amor
pelo mundo inteiro,
que era feliz tendo só o mundo.

Você vê, se me tirar isso, o pouco que me dá.

RETORNO DA NOITE

Quando o retorno à casa é tarde,
debaixo dos astros,
na fria cidade, o coração
sofre a indiferença da vida,
o seco soluço do espírito.

Range como uma cabana o choro
e não é suficiente o sossego
das horas, porque a solidão
é impassível,
se confunde com a dor,
com a secreta repugnância do mundo.
Há um navio abandonado
encalhado nas entranhas,
de costelas húmidas e rígidas,
e respirar é um grande sofrimento.

Já faz tempo, no verão,
debaixo dos pinheiros que rodeiam a casa,
na caverna repleta de tomilhos,
que abandonei o amor de mim mesmo.
Depois a vida não dá muito
e na ignorância dos jovens
cresce uma rama de sal,
que entregamos confiantes ao amor
para que nos acerte.

Entrarei esta noite em casa
com meu cansaço conhecido,
sentirei o cheiro das marchitas lilás,
e logo descansarei
para não me arrepender demasiadamente.

LAMENTO DO DIFERENTE

A vida é um atalho
para nada, só para chegar,
e não há razão aqui para o trabalho
de viver junto ao mar

imitando o seu repouso.
Já tampouco faz um bem ver a horta
crescida de largas folhas, se um acosso
ao coração te logra.

Com a flecha do homem,
sua lei dura.  Gemendo vai o amor,
cresce na areia um lírio, que você assombre
com a pureza do seu ardor.

VERSOS HOSTÍS

Chegam, com suas crinas, de outros bairros,
sua juventude arrojada, nunca riem,
vivem da mentira e obedecem
se você sabe como enganar. Só há flashes
de uma presença fria. Se seduzem
você sabe que nisso não há merecimento.

Você nunca quis ser como eles,
menos ainda tê-los sido. Acredita
que podem ser melhores, quando perderem
sua idade tão infeliz. Mas então
não serão vistos. Veja-os, eles danificados;
Não são capazes de gozar, nem sofrer.

Você pegou um espelho: não consegue se ver.
Você olha para o céu, e é preto.
Você se sentiu tão dentro da noite
que só ouve a respiração do seu peito.
E a ausência de vida é muito agradável.

O RETORNO PARA AS ILHAS

Oh quieta luz na rua de Ripoche,
Enquanto o pensamento adormece
e vagam os sentidos, e passeiam espaçados,
sabendo que tem que chegar da Costa do Marfim
o alto adolescente das graças,
ou do xamã o corpo com a lua
e o sotaque da ilha e desejos de escapar.

Se deteve a vida, e marcha agora todo
caminho deste gelo de Madrid,
onde vejo os velhos,
com acessórios rosas e brincos,
oferecer nas portas clandestinas
delicados buquês de tajinastes azuis
a troco de sorrisos e cansaços.

Eu tenho que voltar para a luz daquele porto
para ver como o ar
se transforma em um corpo que dorme junto ao meu.

DESPOSSESSÃO DO JOVEM

A luz, na qual voam pássaros
e as árvores crescem tão seguras,
deixa em minha casa as coisas todas
quase com vida. A alegria quer
vir ao coração, e eu a separo
só com um olhar. Os trabalhos
gloriosos dos vãos me rodeiam.
Olho a cama com aquele prodígio
que, ao roubarmos o tempo, nos ajuda.
O que apenas desejo, já o tive.
Toco a luz, e aquela que perdi
em minhas mãos se move. E me vejo
com minha ausência envelhecida no espelho.

*Poema do livro “Poemas Excluídos”, Editorial Renacimiento, 1984.
Tradução de Igor Calazans