Majela Colares nasceu em Limoeiro do Norte, Ceará, a 26 de julho de 1964. Poeta e contista, vive desde 1992 em Recife. Na capital pernambucana estreou na literatura, em 1993, com o livro “Confissão de Dívida”. Depois disso publicou: Outono de Pedra (1994); O Soldador de Palavras (1997); A Linha Extrema (1999); Confissão de Dívida e Outros Poemas (2001); O Silêncio no Aquário / Die Stille im Aquárium (2004), edição bilíngue português e alemão, trad. Curt Meyer Clason; Quadrante Lunar (2005); As Cores do Tempo (2007), 2a. ed. (2009); Memória Líquida (2012); Margeando o Caos / Vorejant el Caos (2013), edição bilíngue português e catalão, trad. Joan Navarro; Contos: O Fantasma de Samoa (2005). Tem participação em antologias publicadas no Brasil e no exterior.
Sombra Humana
Nas solidões do caminho
a vida fareja instantes
em teus sentidos mutantes
habita um tempo mesquinho
vindo de mundos errantes
dos corações mais carentes
dos passados sem presentes
dos amores mais minguantes
no choro-sangue de espada
a fúria foi demarcada…
— rodapés de pergaminhos!
Visando um futuro insano
que míngua o senso humano
na maldição dos espinhos
Muito Além do Poema
A palavra… não apenas a palavra!
A palavra e tudo mais
possível além da palavra
O verso… não apenas o verso!
O verso e tudo mais
definido e não definido no verso
O poema… não apenas o poema!
O poema e tudo mais
perceptível e perceptível no poema
Poesia… então, mistério?
Não apenas mistério…
tudo e mais
que vai além, muito além do mistério
Meu Deserto
Mergulhei fundo num vazio completo
plena certeza de encontrar a essência
que vi em ti, quando se fez ausência…
— em teu olhar findava o meu deserto!
Como um eremita em larga consciência
por esse tempo eu pervagava areias
e segredava imenso amor nas veias…
— eu feito Antão em santa transcendência!
Amor e fé… eu penso, apena Jó
sentiria igual, intenso e puro… só
que outro homem devotou-se assim?
Eu mergulhei neste vazio… loucura
que até hoje minha razão censura…
mais que deserto, tua essência em mim
Da Arte de Ser Nada
Não mais quero rever nem ser mais visto
muito menor solver qualquer problema
quero a incerteza, sim, da noite extrema
na figura que sou… da qual desisto
ter meu sangue afluindo num xilema
a pulsar no mais rude dos arbustos
desprovido da sombra, flor e frutos
nada ser nesta vida é o meu lema
feito arbusto morrer desde a raiz
o último da espécie a que me fiz
extinto deste mundo atroz, insano
sinal nenhum sequer desta existência
qualquer coisa que sirva de evidência
do arbusto que um dia foi humano
Dos Mistérios da Vida
Tudo passa na vida, tudo passa
angústias e prazeres… convergidos
passa a luz reluzente e a fumaça
restando apenas cinza nos sentido
que um dia entre ventos ruminantes
esvai-se como sonhos demolidos
para além das lembranças redundantes
mais além dos neurônios renitentes
das extremas memórias confinantes
nem passados, futuros, nem presentes
distinguem-se na hora mais escassa
e, por fim, muitos fins inconsequentes
ante o caos… ver que o tempo não disfarça
os mistérios da vida… gesto findo
tudo passa na vida, tudo passa
— e a nada tudo vai se resumindo!
Um Momento de Van Gogh
Vibrava em meu pincel uma loucura
uma miragem — um rabisco torto
feito a sombra de algum assombro morto
revelada nas cores… na pintura
e meu pincel deslizava absorto
o traço conduzindo a mão futura
o olhar vago… uma estranha criatura
a espreitar-me no tempo; o tempo exposto
de amarelo e lilás… tinha a brancura
da luz que cintilava no meu rosto
a imagem que eu sonhava ser meu porto
era o meu fim… em cores na moldura
*Poemas do livro “O Retorno de Bennu”, Ateliê Editorial, 2018.