Maria Lúcia Alvim nasceu em Araxá, Minas Gerais, a 4 de outubro de 1932. Poeta e artista visual, ganhou o Prêmio Jabuti de Poesia, em 2021, com o livro “batendo pasto”, obra que deixou inédito, durante quase 40 anos, para ser publicada de forma póstuma. Irmã dos poetas Maria Ângela Alvim e Francisco Alvim, faleceu no dia 3 de fevereiro de 2020, aos 88 anos, vítima de Covid-19, na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais.

*

Caçador de Primaveras

Tenho Indulgência Plenária

Empírica sobre a Terra

Capinada            Cavucada

Tu és minha Natureza

A Rodo no Pensamento

És a Verdade Suprema

À Hora do Sentimento

Fonte Trêfega e Profana

Altura Verde do Vento

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É tarde carícia
.   a gota de orvalho
susta na folha
.   o armistício

*
Este soneto é um usufruto
das palavras que aqui vou perpetrar.
O fruto se retalha, dissoluto.
Palavras criam corpo no lugar.

Corre os olhos num rasgo de Absoluto.
Repare nesta folha, circular.
Nesse gomo roliço, diminuto.
Na pedra corriqueira, a ressudar.

Assim o Coração, pão de minuto.
Aquilo que na moita irá grassar.
Amor pardinho, virá o dia curto.

O Bem virá depois, para ficar.
Ao contrair o sol, zarpo de bruto:
Meeira, me aboleto, sabiar.

*

Eu era assim no dia dos meus anos
E quando me casei, eu era assim
Eu era assim na roda dos enganos
E quando me apartei, eu era assim

Eu era assim caçula dos arcanos
E quando me sovei, eu era assim
Eu era assim na voz do minuanos
E pela primavera, eu era assim

Enquanto fui viúva, eu era assim
Enquanto fui vadia, eu era assim
E pela cor furtiva, eu era assim

No amor que tu me deste, eu era assim
E trás da lua cheia, eu era assim
E quando fui caveira, eu era assim

*

Era uma tarde frese, empelicada.
Eu vinha fria e fétida, mas vinha.
Não tinha rosto meu, se tudo eu tinha
Não era nome ou rosto, de onde eu vinha.

Ele me viu da branca paliçada
E veio ao meu encontro, já que eu vinha
Na mesma direção, pois que não tinha
Nenhuma outra saída, de onde eu vinha.

Paramos sobre a ponte. Promulgada
Intimava os atalhos, mais não tinha.
Ele cercava o fogo até o cerne.

E fui ganhando brilho, por um nada.
Sem que nunca soubesse de onde vinha
A ressurgir no tempo em minha carne.

*Poemas do livro “batendo pasto”, Editora Relicário, 2021.