Luzinete Menezes, mais conhecida como Lu Menezes, nasceu em São Luís, Maranhão, em 1948. Poeta, Socióloga, Doutora e Literatura Comparada e Pesquisadora do Arquivo Nacional, integrou a representação brasileira no Europália 2011 (Bélgica) e no Salão do Livro de Paris 2015. Em 2021, representou o Brasil entre os 9 países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), no livro digital “Português lugar de escrita: mulheres na poesia”, celebrando o Dia Mundial da Língua Portuguesa (5 de maio).

Lu Menezes publicou, até o momento, os livros de poesia O amor é tão esguio (ed. independente, 1979/80); — Abre-te, rosebud! (Sette Letras, 1996); Onde o céu descasca (7Letras, 2011); Gabinete de curiosidades (com Augusto Massi, Luna Parque, 2016) e Querida holandesa de Vermeer (Luna Parque, 2020), além do ensaístico Francisco Alvim por Lu Menezes (col. Ciranda da Poesia, Eduerj, 2013). Mais recentemente, a editora Círculo de Poemas, publicou “Labor de sondar [1977-2022]”, volume que reúne pela primeira vez toda a obra.

Ainda participa de importantes antologias, como a “Esses poetas: uma antologia dos anos 90, com organização de Heloísa Buarque de Hollanda”, de 1998; Os cem melhores poemas brasileiros do século, (Org. Italo Moriconi; Objetiva, 2001) e “La poésie brésilienne aujourd´hui”, (Org. Flora Süssekind, Trad. Patrick Quillier; Le Cormier, 2011).

LUGAR

Abarrotado de azul (do alto, único,
eletro-esférico-onírico) este lugar

que algo extraordinariamente distante
chamado estrela chamada sol
afeta constante e intimamente

– se “fato puro e conto de fadas”
ou fato impuro e conto sem fadas;

se féerie de contos de fatos,
com incontáveis contos
de incontáveis fatos;

se tanto fez e tanto faz,
decida ou não, o nobre freguês.

PARTIDA

O morto afogado foi posto sentado
no banco detrás do único carro

que daquela praia distante
levá-lo poderia

E quando ele partiu
o vento levantou seu cabelo –

Levantou seu cabelo
– o vento

Levantou-o
Levantou

METROS VERDES

Verdes cúmplices verticais
dos azuis horizontais da orla,
críticas e rivais
de arranha-céu obtusos
intrusos demais,
palmeiras
são metros verdes,
inserem
na paisagem física
a retidão –
concisa
urbana
– tal
como na moral
certas pessoas o fazem

PROPRIEDADE

Penetrantemente a se espraiar
é propriedade que paixão e música partilham com o mar

De música, todas as coisas, com sua esponjosidade ociosa
podem como madeleines se impregnam…

Por música – boa ou má – tudo se deixa tocar
no instante sonoro que avança amoroso

refazendo o tempo, abraçando o espaço, desejoso
de mundos e fundos como o mar

TSUNAMI E VIZINHANÇA

Então, a mulher e a criança
seguiram uma serpente que nadou para terra firme
e conseguiram se salvar

A mulher era só
certa vizinha a quem a mãe, antes de morrer,
confiara a criança

A serpente terá sido
de repente, uma espécie de vizinha também,
vizinha de outra espécie

HOMEM-TATUÍ

Era empregado da casa de chá “Baba de Moça”
e ia todo domingo à praia enterrar-se na areia,
hobby que já lhe valera o apelido de “homem-tatuí”.

Não sei o que terá sido dele e do hobby
depois desse domingo em que o salva-vidas
foi chamado a socorrer alguém que se afogava na areia.

Desisti logo de vislumbrar, através
das circunstâncias líquidas da sua rotina, o insondável
deserto no qual decerto – desafiado – mergulhava.

*Poemas do livro “onde o céu descasca”, editora 7 Letras, 2011.