Mário Pedro de Alles Tamen nasceu em Lisboa, Portugal, no dia 1 de dezembro de 1934. Poeta, crítico e tradutor literário, traduziu obras de Marcel Proust, Gustave Flaubert, Gabriel Garcia Marquez, entre outros. Foi diretor do jornal Encontro e cofundador do cineclube Centro Cultural de Cinema e diretor da editora Moraes, na década 50. Presidiu ao P.E.N. Clube Português (1987 – 1990) e foi membro da direção e presidente da assembleia geral da Associação Portuguesa de Escritores. Morreu a 29 de julho de 2021, em Setúbal, Portugal.


Nem Mais Uma Palavra

Nem mais uma palavra. Nenhuma
direi no nascimento ou na respiração ao ouvido vazio.
Há outra luz, Eu sei: eles não vão me condenar.
E sob a luz assombrosa que se espalha sobre o mar,
quieto, pertencendo ao barco, grávido Eu vou explodir
dispersado no vento – e então Eu sussurrarei
as palavras que nem Eu, nem você, jamais leremos.

Ode

Agenda, minha vingança,
essa sutil rapidez com que esqueço
os costumes da juventude
nestes dias que se vão

Por que você se vinga de mim,
a menos que seja além das farras e das compras
Sou um homem que precisa ganhar o pão?
Agenda, você é boa em emprestar

mas você não dá nem vende,
me vestindo com gravatas e gravatas,
me acariciando, me consolando, me defendendo.
Eu me escondo trancado a sete chaves nos banheiros

e anoto em você palavras que Eu não vivo
no fluxo fugaz em que rio francamente,
e assim Eu me liberto através de uma fuga astuta: corte rente.

“Ela não existe – nós existimos nela”

Ela não existe – nós existimos nela.
É com constrangimento que Eu afirmo isso
(embora Eu deva dizer algo, pois sinto
que não é meu fim que acabou,
mas o começo), como alguém que sente
o traseiro na beirada da cadeira, que desliza
e cai lentamente no chão: Essa é a jornada,
esse é o rio – ou ela

Anti-Dürer

Você vive comigo. Tranque
os dedos comigo.
Você come comigo, dorme, tosse,
alimenta minha fome e abundante
ergue seus ossos como se fosse minha bandeira,
tão íntimo, imediato, intrínseco,
ogro-de-bolso, cone de um pinheiro,
sentado bem ao lado do destino:
a morte

“Correntes de ar estão ondulando”

Correntes de ar estão ondulando
os mínimos movimentos
dos coelhos se beijando
com os olhos bem abertos.

E assim enviamos
o sol para a noite
vivendo assim nas sombras do mar.

“Eu digo. Eu falo para você de azuis e verdes”

Eu digo. Eu falo para você de azuis e verdes,
tentações, lagartos, brisas mornas,
e a fadiga e carinho, de costume e advertência,
e onde quer que você queira eu te chamarei

e cairei em você. Uma canção que se estendeu
até os templos do inverno –
um assobio agudo e o som do mar: minha cabeça.

Poemas do livro “Mel e Veneno: Poemas selecionados”, 2001.
Tradução de Igor Calazans para o Recanto do Poeta.