Gastón Figueira nasceu em Montevidéu, Uruguai, no ano de 1905. Poeta, ensaísta e crítico, teve grande aproximação com a literatura brasileira, principalmente a do Rio de Janeiro, tanto que escreveu um livro em homenagem ao estado, intitulado “Estrellamar”, de 1958. Ficou amigo de grande poetas do país, como Cecília Meireles que o classificou como “um poeta que tinha na poesia uma finalidade moral de compreensão e solidariedade humana”. Faleceu em 1999, em Montevidéu.

DE NOITE, RIO…

De noite, Rio,
é como uma índia voluptuosa…
Se envolve de colares reluzentes,
cobre sua pele azulada
e sua grande cabeleira de escuridão,
com um milhão de pedras claras…
E canta…
Sua canção é um murmúrio indecifrável,
acompanhado por um sibilo
das grossas serpentes azuis
do oceano,
e das largas serpentes de prata
das cascatas
E dança…
dança a voluptuosidade
de sua vida,
dispersando um amplo perfume
de flores carnívoras, de juventude, de mar, de feitiçaria…
Sobre seu peito
brilha a lua tropical
como um grande amuleto…

NOTURNO DO ALTO DA BOA VISTA

Rio nos oferece diamantes,
e os vagalumes também.
Nas cascatas, seus diamantes
o céu deixou cair…
Rio, não te chamo de cidade,
te chamo simplesmente de Éden!
Noite do trópico, magnética!
Noite do trópico, magnífica!
Tudo se arroba lentamente
na penumbra de ametista
Os bambus tocam a flauta
e dança, dança a água novinha…
– Oh, coração que ardendo sempre
em louca sede de eternidade
deprecia os pródigos presentes
da doce vida fugaz!
Ama e abençoa a beatífica
magnificência do momento.

CARNAVAL CARIOCA

A cidade poliédrica despertou
prodigiosamente vestida de loucura.
Toda a cidade é um coro enorme,
um caleidoscópio de graça e cor.
E até se diria
que a sua profunda saudade o samba perdeu.
Tudo é alegria!
E ronca a cuíca e passam as horas.
Gente desce dos morros para a cidade
e nas ruas dançam como cumprindo um ritual:
Le le le! La la la!
Vingança de todas as semanas cinzentas
de cansaço e trabalho. O povo quer esquecer.
Cantos dos cordões. A avenida fervorosa:
Desfilam baianas, índios, odaliscas.
Carnaval do Rio, que nasce nos morros
e se estende em toda a enorme cidade.
Macum-bebé! Macum-barilá!
Todo mundo canta. E esta faixa,
a distante África em ritmos chega.
Batuques e sambas.
Louca gente bamba.
Vingança de todas as semanas cinzentas
de cansaço e trabalho. Le le le! La la la!
Baile de canela. Baile de carbono.
Sorriem grossos lábios nos rostos amplos de jabuticaba.
A cores gritam em blusas baianas.
Vegetação
do matagal.
Fervor
musical
que zumba
e retumba
infinito,
como em um ritual
de macumba.
Sorriem brancos dentes nos amplos rostos de jabuticaba
até o estremecimento azul do alvorecer.
Carnaval do Rio: o poema de som e cor.
Até a água diáfana das praias dança, louca canção.
E assim, por três dias,
a cidade esquece
que no mundo existe
uma coisa injusta, finíssima e profunda
que se chama
tristeza carioca.

COSME VELHO – SYLVESTRE

O trem vai subindo
entre samambaias, samambaias e samambaias,
vinhas penduradas como serpentes
e palmeiras que beijam o céu.
Vai subindo o trem, vai passando
por lindas pontinhas negras…
Da melancolia lenta desta tarde
desce um azul magnífico, opulento.
Desde o verde minarete
de uma palmeira,
como um muecín alado, um sabiá
convida os grilos a orar.

PAQUETÁ

Oh, ilha de Paquetá! eu me lembro de você,
de suas ruas adormecidas,
de suas praias de graciosos coqueiros,
dos sorrisos de suas crianças.
e dos sorrisos de seus jardins,
daquela sua praia,
humilde, pequenininha, boa,
com seus bancos de pedra
e seus cravos do ar.
“Praça do Senhor Bom Jesus do Monte”,
que, como envergonhada de sua humildade,
se recolhe
de frente para a imensidade
clara do seu horizonte,
praça que tem pendurada nos galhos
um letreiro com estas palavras
que na alma deixam doçura de mel:
“O pássaro disse:
“Antes de me aprisionar, olha-me bem…”
Na festa de São Roque,
nessa linda noite de domingo
cheia de luzes e cores
e de bandeiras ondulantes,
oh, ilha de Paquetá! Eu me lembro de você…
Vejo sua igreja
cheia de luzes trêmulas
e de velhinhas ajoelhadas.
Ouço a música de sua feira
e vejo as garotas que passeiam
de braços dados,
enquanto a lua se banha na praia…
Me recordo também daquele menino
que se aproximou para me pedir ao ouvido
“um dinheirinho para comprar uma cocada”,
e que, depois que eu lhe dei, me disse:
“Obrigado. O senhor é camarada”.

CANÇÃO PARA UM MENDIGO

Velho ceguinho
que na praça de São Francisco
toca um acordeão!:
Como não lhe dar esmola,
pobre ceguinho tocador!
Vive no Rio de Janeiro,
desterrado de seu esplendor.
Era duas vezes cego, nesta
cidade de ágata e de sol!
Ceguinho que canta e implora,
perto da rua do Ouvidor,
não há no mundo ouro que pode
servir de alívio para a sua dor!

*Poemas do livro “ESTRELLAMAR”, Editora Montevideo, 1958.
Tradução de Igor Calazans para o Recanto do Poeta