Luís Maria Leitão, mais conhecido pelo pseudônimo Luís Veiga Leitão, nasceu em Moimenta da Beira, Portugal, a 27 de maio de 1912. Poeta e artista plástico ligado ao simbolismo e ao neorrealismo, fez parte do grupo literário “Germinal”, movimento de caráter político e antifascista. Por conta disso foi duramente censurado e perseguido pelo Estado Novo, sendo obrigado a exilar-se no Brasil, mais especificamente em Niterói, no Rio de Janeiro, onde veio a falecer, no dia 09 de outubro de 1987, aos 75 anos.

CIGARRA

Esta não é a filha do sol
com pernas e pés de marinheiros
subindo às árvores das herdades.
Esta é preciso ouvi-la dias inteiros
aquém das grades.

Esta
não chama para os campos doirados
onde o canto é livre e aquece, morno.
Mas para silêncios hirtos e cerrados
com fardas e armas em torno.

Desde o sinal das auroras
até à noite que plange
amortalhando as horas,
seu canto não canta, range…

Ó cigarra das torvas claridades!

Seus cantos só pode cantá-los
a boca de pedra e dentes ralos
do ferro nas grades.

SENTINELA

Com trezentas noites de cela
e dias brancos de cem anos
quero ver-te sentinela,
ver-te com os olhos humanos.

Olho as tuas mãos enclavinhadas
e pergunto: aonde estão?
Serão de outro corpo e plasmadas
no mesmo barro que vem do chão?

E nunca meus olhos viram tanto!

Olho os teus olhos despertos
e pergunto: aonde estão?
Serão de fendas, de poços abertos
ou de que raio são?

E nunca meus olhos viram tanto!

Olho a tua boca cerrada
e pergunto: aonde o seu nome?
Será gume de faca ou de espada
que a ferrugem come?

E nunca meus olhos viram tanto!

Essa arma (que as manhãs amaldiçoam)
esconde os teus olhos, teu rosto, a tua mão,
enquanto os botões de metal abotoam
teu próprio coração.

VESTIDOS DE PEDRA

Saber que estão vestidos de pedra
botões de ferro   casas de sombra
áspero forro do silêncio

Não basta saber que estão encerrados
num punho de pedra esmagando o sol

Não basta saber      É preciso ver
aquém dos olhos     adentro da voz
e retratá-lo no sangue
– entre a manhã e a janela
.             o pão e a boca
.             a parede e a rua
.             a mão e a ferramenta

Retratá-los no sangue
é despir-lhes a roupa de pedra
é desabotoá-los da sombra

e livres e verdadeiros
respirá-los no ar     nos rios
e tê-los por companheiros

(Não basta saber que estão encerrados
num punho de pedra esmagando o sol)

PRISIONEIRO

O prisioneiro é como navio
preso ao cais. Amarras de desterro
com ferragens de noites a fio
e redes de ferro.
Do casco que um vento negro impele
caiu-lhe a pintura, o próprio nome.
Mas o mar está dentro dele
e não há força que o dome.

*Poemas do livro “CICLO DE PEDRAS”, Editora Portugália, 1964.