Narcís Comadira i Moragriega nasceu no dia 22 de janeiro de 1942, em Girona, na Catalunha, Espanha. Poeta, pintor, dramaturgo, tradutor, jornalista e crítico literário, também tentou carreira política. Com mais de 20 livros publicados, a sua poesia é vista como clássica, onde aborda a contemplação do pensamento a partir de cenários realistas, íntimos e, muitas vezes, repletos de ironias e paradigmas. Também é muito bem conceituado como artista plástico, onde faz uma extensão poética com todas as suas artes, propondo imagens abstratas, influenciadas pelos movimentos surrealistas. Presente nos assuntos políticos do país, principalmente em relação à independência da Catalunha, Narcís Comadira, aliou-se à Unidade Popular de Girona, chegando a participar das eleições municipais espanholas de 2015.

Tarde

Aspirei o perfume
dos teus lábios, o prado
ondeante dos beijos.
Aspirei o perfume.
Braçadas de giesta,
látiros e papoulas
e esta nuvem de abelhas
que labora na tília.
O mel mais puro verte
destas flores alvares.
Ouro e tarde são leves.
Ah! Rendido sem ânimo,
durmo para perder-me
num jorro de murmúrios.

Festa

Em breve zarparemos
e um som azul de ferros
virá dizer adeus.
(Não bandeirolas, faixas
de papel como ponte,)
Âncora erguida. Olha.
Da coberta já ardem
todas as luzes. Músicas
que sobem dos salões.
Não te turve o desprezo
que já sentes da margem.
Sorrirás se então digo-te:
vem, Príncipe, retorna
bem mais alegre à festa?

Febre

Cegos de tal beleza,
meus olhos já não vêem
teus olhos: este sol
de negra cabeleira;
tua pele: miragem
de luz da lua, lago
de repouso dulcíssimo.
Dunas suaves, álbidas,
leve vista nevada
confusa entre os coxins…
Pluma entre as mais, consola-me,
Asa de leve atrito!
Cansa em gelo de abraços
estes membros ardentes,

Oráculos

Os rouxinóis mecânicos
dizem-me em voz opaca:
de um silêncio de fogo,
de uma brisa parada,
de uns lábios, de um deserto,
de um corpo, vista gélida,
de um universo obscuro
cheio de estrelas falsas,
de algum jardim sem flores,
de pesares sem lágrimas,
de velas sem mar, de uma
lembrança sem imagens
viverás para sempre
mais, Ulisses sem pátria!

*Poemas retirados do livro “Desdesejo”, Lamparina editora, 2004.
Tradução de Ronald Polito