Winfried Georg Maximilian Sebald, mais conhecido como W. G. Sebald, nasceu em Wertach, distrito de Oberallgäu, na Alemanha, 18 de maio de 1944. Apesar de ter publicado apenas 4 romances, é considerado um do mais inventivos autores da literatura alemã do Século XX. Como poeta, sua escrita apresenta uma linguagem única, original, muitas vezes inclassificável, que mescla gêneros como o ensaio e o relato memorialístico, em prosas repletas de imagens e documentos como elementos importantes das histórias, principalmente sobre o Holocausto e a Alemanha pós-guerra. W . G Sebald faleceu no dia 14 de dezembro de 2001, em Norfolk, na Inglaterra, em consequência de um acidente de carro.


III

Embora constasse que as autoridades
iriam nomeá-lo muito em breve para
a Cátedra de Botânica, acreditando-o assim
na sociedade burguesa, Steller,
homem sem meios, com pouco mais
do que o caderno de notas no bolso, logo
no dia seguinte ao Rigorosum tomou
a diligência para a cidade de Danzig
que as tropas russas cercavam
e aí se inscreveu como médico assistente
num navio
que iria levar de regresso à Rússia
umas centenas de inválidos.

VI

Só para lá do rio, nos famosos
jardins botânicos do Hospital da Marinha
escapa Steller à agitação da cidade.
Percorre sem entraves os caminhos
entre os canteiros, admira as
estufas de vidro,
as plantas exóticas,
aprende uma série de nomes novos e
quando já quase perde a esperança,
eis que, da meia sombra
da planta da mostarda, junto à voliére,
vem o patriarca de Novgorod,
arcebispo Theophon, com um minúsculo
periquito amarelo na mão, que lhe conta,
numa conversa em latim,
uma lenda do distrito de Dolji
segundo a qual Deus apareceu o dia,
como se saído de um céu sereno,
pousado numa folha de pulmonária.

VIII

A cavalo com o pintor,
por vezes também no topo
da carroça, vai uma criança de nove anos,
seu filho, pensa ele maravilhado,
concebido no casamento com Anna.
É um caminho muito bonito, este,
em setembro de 1527, ao longo da marginal,
através dos vales. O ar agita a luz
entre as folhas das árvores e, dos cumes,
veem tudo em seu redor.
Numa pausa, encostado a um rochedo,
Grünewald sente no íntimo a sua infelicidade
e a dos artistas das fontes em Halle.
O vento põe-no a voar, quais estorninhos,
à hora em que chegam
as sombras. O que resta até no fim
é a obra encomendada. Ao serviço da família
Erbach, em Erbach, no Odenwald, dedica o pintor
os anos que lhe restam à feitura de um retábulo,
a Crucificação, mais uma vez, e a Lamentação de Cristo,
a degradação da vida prossegue
lentamente e entre o golpe
de vista e o levantar do pincel,
Grünewald faz agora uma longa viagem,
interrompe muito mais vezes
do que se costumava o andamento da arte
para levar o seu filho a aprender
na oficina e lá fora, nos campos verdes.
O que ele lhe ensinou não está registado,
só se sabe que a criança, aos catorze anos
e de causa desconhecida, morreu
de súbito e que o pintor
não durou muito mais tempo. Olha bem em frente
e verás ao longe, no cinzento da tardinha,
girar os moinhos de vento.
A floresta recua verdadeiramente,
de tal modo que não sabemos
onde terá estado, e a casa de gelo
desfaz-se, a geada desenha no campo
uma imagem, sem cor, da terra.
Por isso, quando o nervo ótico
se rompe, no ar parado
tudo fica branco como
a neve no Alpes.

XII

Infindáveis voos,
de aves a gritar, pairando
baixo sobre as águas,
de longe parecem ilhas
à deriva, há baleias à roda
do barco cuspindo alto para o ar
esguichos em todas as direções
da bússola. Chamisso, que
mais tarde, na expedição de Romanzov,
foi tomado de espanto diante desse mesmo
quando gigantesco, ficou com a ideia
de que talvez se pudesse domesticar
aqueles animais e – como gansos em
terra maninha – guiá-los pelo mar fora,
por assim dizer, com uma vara, como um rebanho.
Criar os juvenis num fiorde, escreveu ele,
passar-lhes sob as barbatanas peitorais
uma coleira com picos suportada por bolsas de ar,
fazê-las desaprender a mergulhar,
tentar experiências. Se as baleias servem para
puxar ou empurrar, para atrelar ou
carregar e como, se se deve arreá-las ou
dirigi-las e como será o cornaca
destes elefantes do mar, tudo isso
se desdobrará a seu tempo. Aliás, no princípio,
Chamisso diz também que a máquina a vapor
foi o primeiro animal de sangue quente
saído das mãos do homem.

XVI

A 13 de agosto o barco
feito com os salvados contorna
a ponta extrema da ilha
que desce em suaves colinas e linhas
amenas até o mar.
De um belo verde,
como as pastagens dos Alpes,
repousa à luz do último sol,
dir-se-ia intocada pelo homem.
Vista de bordo,
a terra move-se.
Os tempos idos
não se tornam mais reais
com os males sofridos.
Incrível, também, no horizonte,
acima da bruma azul
estendida sobre a terra,
ao cabo de quatro dias de mar,
a fumaça dos vulcões asiáticos.
Para se aproximarem desta vista,
navegam sob a costa,
um quarto de milha marítima por hora,
para sul, uma boa semana,
de noite puxam também a remos
até que, a 25 do mês,
chegam ao porto de Petropavlovsk,
aos seus fortins e armazéns pilhados.
Para darem graças pelo miraculoso salvamento
fabricam, como fora desejo de Bering,
batendo as moedas poupadas até o fim,
uma moldura de prata
para o ícone de S. Pedro.

XVII

Seis anos passaram
até os sobreviventes da expedição
receberam ordens
para regressar à capital.
Steller, porém, poucos dias
depois da chegada à baía de Avatcha
demitiu-se da empresa e, com o cossaco Lepekhin,
partiu a pé para o interior da península.
Se a Ti apraz a viagem,
dá-nos a força de ir,
dizia para consigo, sê
consolo para o caminho, sombra
na canícula do meio-dia,
luz na escuridão,
abrigo contra o gelo e a chuva,
carroça na hora do cansaço,
auxílio na necessidade, de modo a que,
guiados por Ti,
possamos chegar sem perigo,
aonde vamos:
cuida, Senhor,
de que as estrelas
se juntem lá em cima
a nosso favor.

*Poemas do livro “Do Natural – Um poema elementar”, Quetzal Editores, 2012.
Tradução de Telma Costa.