Abdellatif Laâbi nasceu em Fez, Marrocos, no ano de 1942. Poeta, jornalista, professor tradutor e ativista político, vive exilado em Paris, desde 1985.  Membro do movimento comunista “Ila l-Amam”, juntamente com outros poetas marroquinos, fundou, em 1966, a “Souffles”, revista que abriu a cultura de seu país para outros países, mas que foi proibida em 1972.

Por seu combate e oposição, Abdellatif Laâbi foi preso, torturado e condenado a 1o anos de prisão por “crimes de opinião”. O poeta cumpriu pena de 1972 a 1980. Foi forçado ao exílio na França, onde se tornou membro da Académie Mallarmé, em 1988. Em 30 de novembro de 2007 recebeu a insígnia de Doutor Honorário da Universidade de Rennes 2 Haute Bretagne. Em 2008 recebeu o Prêmio de Poesia Robert Ganzo. Em 2009 recebeu o Prémio Goncourt de Poesia. Em 2011 recebeu o Grand Prix de la Francophonie da Academia Francesa. Em 2017 recebeu o Prêmio Internacional Mexicano de Poesia “Nuevo Siglo de Oro”.

Em relação à sua obra poética, Laâbi é um dos poetas marroquinos mais traduzidos no mundo. Ele apresenta uma escrita impregnada de humanismo e sempre preocupada com a luta por justiça e liberdade. Para ele, a poesia não está disposta a abrir mão das armas. Ele é um transmissor de poesia, trabalha incansavelmente tanto em seus encontros como em seu trabalho como escritor para um verdadeiro diálogo, uma verdadeira troca, para que exista paz entre diferentes culturas.

*
Teu musgo
reconhece minha árvore
Minha árvore
se perde em tua floresta
Tua floresta sustenta meu céu
Meu céu te devolve as estrelas
Tuas estrelas estão caindo em meu oceano
Meu oceano balança teu barco
Teu barco chega à minha costa
Minha costa é teu país
Teu país me subjuga
e eu me esqueço do meu

*
Você reparou?
Assim fazendo
nossas mãos querem alcançar
pegar alguma coisa
O quê?
A crina do instante
a maçaneta do paraíso
ou a alma do outro?
Assim fazendo
somos como um afogado
para escapar dos salvadores

*
Se eu sair
aonde vou?
As calçadas estão intransitáveis
As árvores são de dar pena
Os edifícios escondem o céu
Os carros reinam
como qualquer tirano
Os cafés são restritos aos homens
As mulheres, com razão
têm medo de que as olhem
E além disso
não tenho um encontro marcado
com ninguém

*
Na minha cidade de cimento e sal
minha gruta é de papel
Tenho uma boa provisão de canetas
e com que fazer o café
Minhas ideias não têm sombra
nem cheiro
Meu corpo desapareceu
Resta apenas minha cabeça
nesta gruta de papel

Uma só mão não basta para escrever

Uma só mão não basta para escrever
Nos tempos que correm
seriam necessárias duas
E que a segunda aprenda rápido
os ofícios do indizível:
bordar o nome da estrela
que se erguerá após o próximo apocalipse
reconhecer entre mil outros o fio que não se rompe
costurar no tecido das paixões
fraldas, capas e mortalhas
esculpir o amanhecer em um monte de lixo
Duas mãos não bastam para escrever
Nos tempos que correm
em que a miséria ruge
seriam necessárias três, quatro
para que a vida se digne a visitar
esse terrível deserto branco

Perda

O despertador toca
e você não tem a coragem de desligá-lo
Que tarefa o espera
que compromisso?
E antes de tudo onde você está
em que cidade
em qual país?
A hora exibida no mostrador
a que tempo pertence
ao que vem antes
ou depois da morte?
E esta sua respiração
é o fôlego ardente
de um animal pré-histórico
ou a pulsação do sangue gelado
de uma espécie embrionária
lutando com a lentidão
da gênese?

Realidade

Eis-me aqui de novo em meu subúrbio
Esta casa
que mais uma vez trocarei por outra
O quarto onde já não me tranco para escrever
(não é essa a minha única contradição)
O que minha janela me oferece
um pedaço de rua
onde passam mais carros que pedestres
Um trecho de céu opaco
e tão baixo
que os pássaros nele roçam suas asas
Sobre minha mesa
as cartas se acumulam
Sob meu cotovelo
poemas inacabados
Ao lado
a máquina de lavar gira
faz desaparecer de minhas roupas
o cheiro da viagem
O telefone toca
Como um autômato
eu estendo a mão
e me rendo à realidade

*Poemas do livro “Uma mão só não basta para escrever”, Editora 7 Letras, 2024.
Traduções de Carlito Azevedo e Maria Eduarda Castro