Ángel Cerviño nasceu em Lezoce, Sarria, na Espanha, em 1956. Poeta, escritor, artista plástico e comissário de exposições, é um dos mais conceituados artistas galegos de sua geração. Ganhou o XV Prêmio de Poesia Cidade de Mérida. É autor de textos críticos sobre as novas práticas artísticas e, diferentes catálogos e publicações.

ESTADO DE SÍTIO

Agora que descansa o veneno
Vislumbramos:
O que não é desconforto é canto.

CONCURSO DE PINTURA RÁPIDA

NOVA recompensa
PÓS descuido
PRÉ banco quebrado
HIPER apelido
ANTI ânimo

NOVO banhista
PÓS bangalô
PRÉ agitador
HIPER ventríloquo
ANTI explosivo

NOVA insônia
PÓS negligência
PRÉ sudário
HIPER abduzido
ANTI calma

NOVA candura
PÓS suicídio
PRÉ atenção
HIPER pequena valsa
ANTI ânsia

DUPLA VIDA

Conjecturas que parecem versos
E não são mais que enquetes ou pesquisas

Versos que parecem flores decimais
E não são mais que espaço ausente

Flores que parecem esconderijos para o fogo
E não são mais que um vão cristalizado de raivas

Fogos que parecem ninhos de palavras
E não são mais que espuma azeda da tarde

Palavras que parecem senhas
E não são mais que conjecturas os versos

ASSUNTOS INTERNOS

Quem quando ninguém vê não atira a primeira pedra?
Quem não acaricia o chifre do bisonte que encabeça a debandada?

Quem em um filme de terror não tenha rido?
Quem não sonha que alguém dorme enquanto os demais vigiliam?

Quem não se sentiu presa diante um terreno baldio?
Quem vê cair uma folha e não assovia sem olhar para o cachorro de outra pessoa?

Quem não vestiu o cadáver com uma roupa de mergulho?
Quem invoca um fantasma e depois não boceja dissimulado?

Quem ao urinar não faz cara de Capelão Militar?
Quem não caminha um trecho de costas para parecer mais instruído?

Quem não vira a manhã ao dobrar as esquinas?
Quem ouve a palavra verão e não manda levantar o braço com que saúda?

Quem não disse alguma vez isso é o final estou perdido?
– Três mulheres muito distantes sonharam comigo naquele dia.

(OFF THE RECORD)
19 formas de pronunciar amor

AS escuras
ANTE notário
BAIXA pressão
CABE uma fonte
COM pressa
CONTRA natura
DE forma inesperada
DESDE um veículo em marcha
EM um hotel barato
ENTRE a multidão de um estádio
INDO em direção a lugar algum
ATÉ entediar ao contrário
PARA sair do passo
POR previsão ou cálculo
COMO vão as coisas
SEM tirar a camisa
SOB pena de ser roubado
SOBRE a miséria do outro
TRÁS o orgasmo e o choro

AGENTE DUPLO (TESTE DE ADMISSÃO)

Fazer dinheiro – Para prevenir a mudança
Fazer tempo – (Locução fora de uso)
Fazer dano – Sem vocação nem deleite
Fazer malabarismo – Suplemento: pequenos saltos
Fazer o ridículo – Aceita-se como vício solitário
Fazer pouco caso – Dos claros monstros
Fazer como se tal coisa – Alquimia e/ou fofoca
Fazer propósito de emenda – Contribuir com zero sentimentos
Fazer algo de exercício – Ao menos pisque
Fazer pátria – Montando sobre uma cerca
Fazer amor – Com as pernas trocadas
Fazer o contrário – Em plena tormenta
Fazer a vítima – Para desiquilibrar o carrasco
Fazer de fantasma – Em uma convenção de dândis
Fazer ruído – Demasiado ruído
Fazer memória – Só se ler os lábios
Fazer greve de fome – Até que se perca a ânsia
Fazer uma declaração de princípios – Cantarolar as conclusões

Colecionar gestos inúteis – Machados votivos
.                                                No altar do desespero.

AS CONTA CLARAS

– Os escolares por dezenas
– As queixas por unidades
– Os amores com quebrados
– Os medos com decimais
– Por centenas as araras
– Os ratos por milhares
– Para o misantropo números primos
– Para os arquivos ordenados
– Papas e Reis com número romanos
– Para viajar somente números pares
– Para os gastos a raiz quadrada
– Para manifestantes os cardiais
– Contar com os dedos os passos mal dados.
– Por dúzias as oportunidades
– O desejo tende ao infinito
– Para o que apenas se vislumbre números irracionais.

*Poemas do livro “A Ave Fênix Só Caga Canela – E outros Poemas”, DVD Ediciones, 2009.
Tradução de Igor Calazans