Antônio Brasileiro Borges, nasceu em Ruy Barbosa, Bahia, no ano de 1944. Poeta, cordelista, professor, ficcionista, ensaísta e artista plástico, faz parte da chamada “Geração de 70” de artistas plásticos baianos, com quase uma centena de exposições coletivas e individuais. Em 2009, foi eleito para Academia de Letras da Bahia, tomando posse em 2010, saudada por Ruy Espinheira Filho.

NUANÇA

Meus caminhos, meus mapas,
meus caminhos.

Tudo está em ordem
em minha vida.

Como se faltasse
alguma coisa.

LENÇO E BARCO

A beleza esconde o corpo
para não ser reconhecida.

Entra em cena um homem gordo:
tudo não passa de mentira.

A beleza é só farrapos:
violentaram-me e não fugiram.

Barco, barco! Lenço, lenço!
Quem me acena do tombadilho?

Sou eu, em adeus para mim mesmo.
Não fiz o jogo. Perdi.

POEMETO

Não há o que temer
nem aplaudir.

O que somos é só
este fremir.

Parte de mim é bela.
Parte é aquela

vontade de fugir.

ESTES PASSOS

A nada me encaminham estes passos.
Não vou a lugar nenhum; ecoam em vão.
Ando, e o só andar me basta.
Mas não me basta.

O que me basta é estar sossegado.
Homens modernos são o que não são.
Os passos vãos ecoam nesta sala.
Nada me basta, nada me basta.

Inconcluso, tudo é muito vago.
O que sou não sou. Meus irmãos
não sabem. Anda à deriva,
na noite, todo o barco.

PARA QUE NÃO NOS SINTAMOS TÃO SÓS

Há um amor que chega e nos sussurra: somos
perdidos de todo perdidos entre estranhos,
em ruas estranhas, cidades, (perdidos
e não perdoados) perseguidos
por policiais montados em porcos /

há um amor de olhos míopes, dentes de rato,
sussurrando-nos: perdidos
– e não perdoados – como crianças /
e chamamos (e chamamos e chamamos) por nossos pais
e eis que nossos pais já chegam e estendem-nos as mãos

para que não nos sintamos tão sós,
tão sós, não nos sintamos assim, tão sós.

ESTUDO 204

Vejo o vento que sopra nas árvores
e estou aqui.
Há uma sensação de paz antiga
no vento que sopra nas árvores.

(Vou plantar esperanças no quintal
e decidir o que farei com a vida –
com esta e com a outra.)

Estou aqui e o mundo está aqui.
Olhos as folhas movendo-se nas árvores
e alguma coisa silenciando no coração.

ESTUDO 165

Compor um homem
com suas tramas, seus dramas,
teogonias, gramáticas, soluços;
compor um homem,
do orvalho matinal compor um homem
do céu cheio de estrelas, do mistério
do homem
compor o homem;
compor um homem
da criança que há no homem, do homem
a adivinhar-se em antiquíssimas retinas;
compor um homem
com seus soluços, gramáticas, teogonias
– e recitá-lo perante os outros homens.

ARTE POÉTICA

Meus versos são da pura essência
dos poemas inessenciais.

Nada dizem de verídico
não querem nada explicar.

Não narram o clamor dos peitos
não encaram a dor do mundo.

Se por vezes falam alto
é por puro gozo, júbilo:

humor que brota de dentro
como se movem os astros.

Eles, meus veros, são pura
floração de irresponsáveis

flores nascidas nos mangues,
por nascer – mas multicores,

lindas, não importa que os homens
as conheçam ou não conheçam.

*Poemas do livro “Antologia Poética (1968 – 1996)”, Editora Casa de Palavras 1996.