António Agostinho Neto nasceu em Ícolo e Bengo, Angola, no dia 17 de setembro de 1922. Poeta, escritor, médico e político, foi Presidente do país entre os anos de 1975 e 1979, se tornando a principal figura angolana do século XX. Em 1975-1976 foi-lhe atribuído o Prémio Lenine da Paz. O dia 17 de Setembro é celebrado em Angola o “Dia do Herói Nacional”, comemorativo o aniversário do poeta.

Agostinho Neto fez parte de uma geração de estudantes africanos que desempenharam um papel determinante na luta pela independência dos seus países, denominada Guerra Colonial Portuguesa. Foi preso pela polícia política do regime Salazarista Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), e deportado para o Tarrafal, uma prisão política em Cabo Verde, sendo-lhe depois fixada residência em Portugal, de onde fugiu para o exílio. Neste período assumiu a direção do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), do qual já era presidente honorário desde 1960. Em paralelo, desenvolveu uma notável atividade literária, escrevendo poemas que se tornaram verdadeiros hinos no país, contra o colonialismo e a favor da identidade africana. Agostinho Neto faleceu em Moscou, então União Soviética, em 10 de setembro de 1979.

POESIA AFRICANA

Lá no horizonte
o fogo
e as silhuetas escuras dos imbondeiros
de braços erguidos.
No ar o cheiro verde das palmeiras queimadas.

Poesia africana.

Na estrada
a fila de carregadores bailundos
gemendo sob o peso da crueira.
No quarto
a mulatinha de olhos meigos
retocando o rosto com rouge e pó de arroz.
A mulher debaixo dos panos fartos remexe as ancas.
Na cama
o homem insone pensando
em comprar garfos e facas para comer à mesa.

No céu o reflexo
do fogo
e as silhuetas dos negros batucando
de braços erguidos.
No ar a melodia quente das marinhas.

Poesia africana.

E na estrada os carregadores
no quarto a mulatinha
na cama o homem insone.

Os braseiros consumindo
consumindo
a terra quente dos horizontes em fogo.

FOGO E RITMO

Sons de grilhetas nas estradas
cantos da pássaros
sob a verdura úmida das florestas
frescura na sinfonia adocicada dos coqueirais
fogo
fogo no capim
fogo sobre o quente das chapas do Cayatte.

Caminhos largos
cheios de gente cheios de gente
cheios de gente
em èxodo de toda a parte
caminhos largos para os horizontes fechados
mas caminhos
caminhos abertos por cima
da impossibilidade dos braços.

Fogueiras
.    dança
.          tam-tam
.                 ritmo

Ritmo na luz
ritmo na cor
ritmo no som
ritmo no movimento
ritmo nas gretas sangrentas dos pés descalços
ritmo nas unhas descarnadas
Mas ritmo
ritmo.

Ó vozes dolorosas de África!

COMBOIO AFRICANO

Um comboio
subindo de difícil vale africano
chia que chia

Grita e grita

quem esforçou não perdeu
mas ainda não ganhou.

Muitas vidas
ensoparam a terra
onde assentaram os rails
e se esmagam sob o peso da máquina
e no barulho da terceira classe.

Grita e grita

Quem esforçou não perdeu
mas ainda não ganhou.

Lento, caricato e cruel
o comboio africano…

HAVEMOS DE VOLTAR

Às casas, às nossas lavras
às praias, aos nossos campos
havemos de voltar

Às nossas terras
vermelhas do café
brancas do algodão
verdes dos milharais

havemos de voltar

Às nossas minas de diamantes
ouro, cobre, de petróleo
havemos de voltar

Aos nossos rios, nossos lagos
às montanhas, às florestas
havemos de voltar

À frescura da mulemba
às nossas tradições
aos ritmos e às fogueiras
havemos de voltar

À marimba e ao quissange
ao nosso carnaval
havemos de voltar

*Poemas do livro “Poemas de Angola”