Jayme Kopke nasceu em Niterói, Rio de Janeiro, em 1960. Poeta, publicitário e professor de francês e literatura, vive em Portugal desde 1988. Atualmente dirige a Hamlet, uma agência de comunicação de marketing com foco no business to business, trabalhando comunicação de clientes como a Novabase, ANA Aeroportos de Portugal, EDP, CA Seguros, CP Carga, Otlis, APAN e outros.

Dois poemas de madrugada

I – O poeta com preguiça

Este poema é no lugar daquele
que me ocorreu ainda há pouco
.        mas eu tive preguiça
.        e o poema se perdeu
não tem importância:
poema sobre poema – isso já nem é tão moderno
mas haverá leitor condescendente
como o poeta que há, preguiçoso.

II – O poeta tímido

Falo em primeira pessoa
por vaidade não, nem por modéstia
mas pela timidez de falar de você
como se me fosse possível.
Um poeta calado arregimenta sílabas
feito um inseto discreto e diligente
e o que ele tece a ninguém interessa
pensa o poeta, em seu canto.

Espera

Disseram-me que a palavra que buscava
para as penúltimas sílabas daquele outro verso
poderia chegar sem mais aquela
à noite
quando eu menos esperasse
ou quando me encontrasse distraído
entre dois pensamentos desnecessários
ou a fitar um qualquer ponto na tevê

disseram-me
e desde então permaneci atento
quero dizer: esquecido de qualquer outra coisa
que não fosse esta espera diligente.
À noite
a deixar que permaneça o verso coxo
é sempre preferível não dormir
melhor não dormir por enquanto
por mais este momento, melhor
não dormir

Quem matou Antonin Artaud?

Que pena
que pena não ter nascido naquele tempo
em que quase não havia loucos
você podia ser o primeiro deles
fazer grandes gestos, bradar pelos descampados
revirar os olhos e não ser jamais compreendido

hoje
hoje todos querem ser loucos
vestem-se como loucos, amam como loucos
e apesar de serem tantos que poucos ainda reparam
e já ninguém se incomoda
continuam os loucos a vociferar pelas praças
com os mesmos grandes gestos
as velhas lamúrias

que pena

mas se a loucura não tem mais nenhuma graça
só para se exibir, melhor é tentar o diverso
vem o louco babando, desgrenhado
com o tenro pescoço pronto para o sacrifício
você é o Algoz e suicida ele
o louco quer se movimentar, ensaia uma grande morte
convoca os repórteres, a polícia, o cinema
mas você está alerta
vai e elimina o louco

sem sangue e sem ruído, do mundo mais profissional
discreto como uma câmara de gás
uma cadeira elétrica Westinghouse, a vítima entupida de sedativos
tudo tão humano que nem faz mal passar na tevê
enquanto jantam as famílias
pobre louco
fica olhando para você, tão coitadinho, e você o compreende
queria ser apedrejado, e você o compreende
você é o melhor dos carrascos
e o louco é um mártir desmoralizado

é calor que era preferível ser o louco de um mundo sadio
mas anda, puxa essa alavanca
sempre com o ar mais compungido
e só por dentro esfregando as mãos
revirando os olhos de puro gozo.

*Poemas do livro “Poemas Durante a Chuva”, Mariposa Azual Edição, 1999.