Frédéric Louis Sauser, mais conhecido pelo pseudônimo Blaise Cendrars, nasceu em La Chaux-de-Fonds, Suíça, no dia 1 de setembro de 1887. Poeta, romancista, editor e designer gráfico, foi um dos principais nomes do movimento modernista francês, sendo também figura importante no desenvolvimento do modernismo brasileiro, influenciando escritores e artistas do país, como Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, que idealizaram a Semana de Arte Moderna de São Paulo, em 1922. Foi considerado por Paul Éluard como um dos maiores poetas franceses do século XX.

Com uma vida itinerante, viveu nos Estados Unidos, na Rússia e se naturalizou francês. Essas viagens refletem diretamente na sua “poesia de bagagem”. Alistou-se como voluntário na Legião Estrangeira, foi combatente na primeira Guerra Mundial e perdeu o braço direito. Nessa época ele já havia escrito o poema “Prosa do Transiberiano”, obra na qual narra a viagem a São Petersburgo.

Nos anos 20, Cendrars, vivendo em Paris, conheceu e ficou amigo de Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade, que estavam em viagem buscando mais referências sobre os movimentos modernistas na Europa. Por Paulo Padro, poeta e mecenas da Semana de 22, foi convidado para visitar o Brasil, sendo recebido como uma estrela, primeiramente no Rio de Janeiro, e depois no porto de Santos, em 1924. Nessa incursão de fevereiro a agosto, se interessou pela mente doentia do criminoso Febrônio Índio do Brasil, sobre quem escreveu artigos em jornais e um capítulo de livro.  Voltou ao país por mais duas vezes, em 1926 e 1927. Blaise Cendrars faleceu no dia 21 de janeiro de 1961, em Paris, França.

SOBRE O VESTIDO ELA TEM UM CORPO

O corpo da mulher é tão abolado quanto o meu crânio
Gloriosa
Se tu te encarnares com espírito
Os costureiros exercem um metiê besta
Tanto quanto a frenologia
Meus olhos são quilos que pesam a sensualidade das mulheres

Tudo o que foge, destaca-se avança na profundidade
As estrelas cavam o céu
As cores despem
“Sobre o vestido ela têm um corpo”
Debaixo dos braços samambaias mãos lúnulas e pistilos enquanto
.  as águas se derramam nas costas com as omoplatas glaucas
O ventre um disco que mexe
A quilha dupla dos seios passa debaixo da ponte dos arcos-íris
Ventre
Disco
Sol
Os gritos perpendiculares das cores caem sobre as coxas
“Espada de São Miguel”

Há mãos que se estendem
Há na esteira o animal todos os olhos todas as fanfarras todos os
.     assíduos do bal Bullier
E sobre a anca
A assinatura do poeta

NATUREZAS MORTAS

Verde
O trote sonoro dos artilheiros passa sobre a geometria
Despojo-me
Em breve eu seria apenas de aço
Sem o esquadro da luz
Amarelo
Clarim de modernidade
O classificador americano
É tão seco e
Fresco
Quanto verdes os campos primaveris
Normandia
E a mesa do arquiteto
É assim rigorosamente bonita
Preto
Com um vidro de nanquim
E umas camisas azuis
Azul
Vermelho
Depois há também um litro, um litro de sensualidade
E esta grande novidade
Branco
Folhas de papel branco

A CABEÇA

A guilhotina é a obra prima das artes plásticas
Seu estalo
Cria o movimento perpétuo
Todos conhecem o ovo de Cristóvão Colombo
Que era um ovo plano, um ovo fixo, o ovo dum inventor
A escultura de Archipenko é o primeiro ovo ovóide
Mantido em intenso equilíbrio
Como um pião imóvel
Sobre a sua ponta animada
Velocidade
Despoja=se
Das ondas multicolores
Das áreas coloridas
E roda na profundeza
Nu.
Novo.
Total.

CONSTRUÇÃO

Cor, cor e cores…
Eis Léger que cresce como o sol da época terciária
E que endurece
E que fixa
A natureza morta
A crosta terrestre
O líquido
O brumoso
Tudo o que se embacia
A geometria nublada
O fio de prumo que se reabsorve
Ossificação
Locomoção
Tudo fervilha
O espírito anima-se de repente e veste-se por sua vez como os
.    animais e as plantas
Prodigiosamente
E eis aqui
A pintura torna-se esta coisa enorme que se mexe
A roda
A vida
A máquina
A alma humana
Uma culatra de 75
Meu retrato

CONTINENTE NEGRO

África
Estrabão julgava-a tão pouco considerável
Amuletos de uso geral
É pelas mulheres que se conta a descendência masculina e se faz
.   todo o trabalho
Um pai um dia pensou em vender o filho; este antecipou-o
.   vendendo-o ele mesmo.
Este povo é dado ao roubo
Tudo o que atrai seu olhar excita sua cobiça
Agarram tudo com o dedão do pé e dobrando o joelho escondem
.   tudo sobre a tanga
Estavam submetidos a chefes que detinham a autoridade e que
.  contavam entre seus direitos o de ter a primeira noite de
.  núpcias com todas as virgens que casassem
Eles não se importavam com a das viúvas
Acrescenta o velho autor.
A ilha maravilhosa de Saint-Borandion aonde o acaso levou
.  alguns viajantes
Diz-se que ela aparece e desaparece de vez em quando.
As florestas da Madeira queimam sete anos.
Mumbo-Jumbo ídolo dos Madingos
Costa de Ouro
O Governador de Guina tem uma desavença com os negros
Como lhe faltam as balas de artilharia carrega seus canhões com
.  ouro
Toto Papo
É só o interesse que lhes faz suportar o estrangeiro
O comércio dos europeus nesta costa e sua libertinagem geraram
.  uma nova raça de homens que talvez seja a mais perversa de
.  todas
E eles são de nove espécie
Sacata, grifo, marabu, mulato, quarterão, mestiço, mamelado,
.  quartenorado, meio-sangue,
Feliz a Bossum consagrada ao ídolo doméstico

TÍTULOS

Formas suores cabeleiras
O salto do ser
Despojado
Primeiro poema sem metáforas
Sem imagens
Novas
O espírito novo
Os acidentes das mágicas
400 janelas abertas
A hélice das gemas das feiras dos mênstruos
O cone raquítico
As mudanças de joelhos
Nas dragas
Através do acordeão do céu e vozes telescopadas
Enquanto o jornal fermenta como um relâmpago emparedado

Manchete

*Poemas do livro “Poemas”, Editora da Universidade Federal do Pará, 1993.
Tradução de Sérgio Wax