Lúcia Helena Galvão Maya nasceu no Rio de Janeiro, a 22 de dezembro de 1963. Professora de filosofia integrante da organização Nova Acrópole no Brasil, onde atua há mais de 30 anos, é umas das filósofas mais conhecidas e respeitadas do país na atualidade. É autora de seis livros, incluindo Canções para Despertar Sophia (2000) e Para entender o Caibalion (2021). Também escreveu letras de música e roteiros para teatro.

Radicada em Brasília desde os 9 anos, iniciou o prazer pela leitura a partir da obra de Machado de Assis. Um momento decisivo de sua vida foi em 1989, quando, aos 25 anos, conheceu as ideias de Platão ainda como aluna da Nova Acrópole. Suas aulas na Nova Acrópole começaram a ser gravadas em 2006, por iniciativa de uma aluna, e eram distribuídas em DVD. No ano seguinte, as palestras passaram a ser disponibilizadas no YouTube, gerando grande visibilidade de mídia para a filósofa.


Canto de Psiquê para Eros

Tempos banhados de sol em um reino sem fim,
meus dias são.
Sedas, brocados e belos jardins
de ilusão.
Mas meus sonhos, sem ânsia, anunciam
que, à distância,
meu misterioso esposo vem.

E assim que as sombras cobrem
a noite, silencioso,
tão suave e tão nobre,
vem meu esposo.
E até as estrelas sentem
quando ele está presente,
tão belo e luminoso, o meu esposo.

Quando a aurora retorna, veloz,
e o vazio ocupa o meu leito,
ele sempre está guardado em meu peito.
Quando expresso sentimentos,
em tudo o que toco e vejo,
vou deixando o suave toque dos seus beijos.
Ao bordar meu nobre manto,
pois viver é Grande Arte,
o seu rosto eu vou bordando em toda a parte.
Nas canções que me embalam,
neste tempo que consome,
em cada frase que falo, ouço seu nome.

Como bordar um rosto ignorado?
Será loucura?

Como amar alguém que está ao meu lado
apenas na noite obscura?
Como cantar um nome que citado
não foi jamais?
Como servir a algo tão velado
e tão fugaz?

Vencendo a dúvida, cruel açoite,
enfrento o dia, fiel à noite:
contra escravos da volúpia
contra os servos do desejo,
em misteriosas núpcias,
amo a quem não vejo.
Entre presas da paixão,
neste estranho labirinto,
abro meu coração
ao que pressinto.
Entre estranhos mercadores,
que dormem sós, ao relento,
embriagados pela voz do esquecimento,
eu caminho sem temores,
confiante na lembrança
que me inspira essa brilhante Aliança.

Superadas minhas provas, um dia, verei seu rosto,
com novos olhos, com vestes novas.
Superados meus limites, um dia, terei asas
Para encontrar minha casa.

Então, em plena liberdade,
pelos ares, pelo espaço,
Cruzarei a eternidade nos seus braços.
Embalado em doces versos,
Dá-se o encontro tão perfeito,
no Coração do Universo, o nosso Leito.

Canto à Justiça Futura

Não posso evitar que diante da dor,
a terrível dor da humanidade,
meu peito pareça, por vezes,
explodir de dor e impotência
por não poder aportar com tua presença entre os homens.

Se pudesse, empenharia meu sangue
e cada célula deste corpo para te trazer ao mundo,
deste corpo que nem sequer me pertence,
e nem é nele que mais se verte a dor de tua ausência.

Se necessário fosse, desaguaria minha alma em lágrimas,
mas lágrimas, já as temos tantas
que quase afogamos, em redemoinhos de uma dor cega,
que gira sobre si mesma, sem encontrar saída.

És mistério, és enigma,
um velho Mestre dizia
que és ordem e harmonia.
Seja lá o que fores, senhora Justiça,
saiba que a ânsia por ti secas as vidas
e esteriliza as esperanças entre nós.

Somos pobre raça de mortais,
mortais por opção,
vagando em desordem,
arrastando-nos em andrajos,
sacralizando a miséria,
ferindo-nos torpemente.

Porém, algum lábio há de achar
a silaba sagrada.
Uma voz há de emitir
a palavra transcendente
que te encarnará entre nós,
que irá te evocar novamente,
Eterna Deusa em nova morada.

Dói-me tanto não ter esse nome,
não ter podido conquistá-lo,
pois, talvez, alguns entre nós
já não possam mais esperar…

Há desespero nos olhos
e tanta dor pelo mundo,
mas esse esboço de apelo
fenece, afônico, mudo.

Os lábios não exprimem o que o coração conhece,
o calor da evidência da tua presença não aquece a voz.
Mas, curto ou longo, esse trajeto há de ser cumprido,
e alguém dará à luz o Nome tão esperado.

Aguardemos, não sem alguma inevitável ansiedade.
Mas, seja como for, quero que saibas que, ao chegares,
celebrarei minha alegria aos quatro cantos do mundo,
farei intermináveis cantos em teu nome,
dançarei à tua volta até quedar-me extenuada,
pois o tempo será Eterno, e a vida será Glória.
E as cinzas dos nossos corpos
e o fogo de nossas almas,
num amálgama perfeito,
serão o pavimento
sobre o qual erguerá a nova História.

Canção Matinal dos Pássaros

Em cada fibra, nessa canção, meu coração vibra,
percute o ritmo que pulsa a vida, meu coração.
Se ouço e marco cada compasso dessa cantiga,
que é tão antiga, que é mesmo eterna e rompe a ilusão,
sei que só então eu entenderei, falarei a língua
desse que foi e sempre será meu Supremo Rei.
Vendo o poema que rima o mundo até seus extremos,
sinto o segredo de cada verso, de cada Lei.
E sei que é assim é que se celebra a humana magia,
pois que, um dia, não sofrerei mais por dor ou medo.
Já somarei o meu coração a essa sinfonia,
e a harmonia irá, então, tecer seu enredo.
Em sintonia com a Lei do Mundo, eu um novo dia,
a cada gesto, seguir a vida, em seu andamento.
Na marcação do Senhor do Mundo, Maior Maestro,
na intuição das vozes da vida a cada momento.

Fausto

O Bem e o Mal é o dilema sobre o qual
oscila eternamente a alma humana.
Questão maior que há entre todas, soberana,
primeiro sempre dentre todos os problemas.
Lançada assim sobre o inóspito dilema,
hesita a alma humana, agitada.
Pois Bem e Mal parecem ser um mesmo tema,
com gradações que vão do Todo até o Nada.
Pois escolher é sempre ousar reconhecer,
e converter teu Bem em algo ainda Maior.
Ousar matar e dar lugar ao renascer,
ousar beber de novo a eterna cicuta.
Avança, então, com decisão, rumo à disputa,
levanta e escolhe onde lançarás teus dados.
Em qual das linhas formarás, em qual dos lados,
desta eterna e árdua luta
aliarás hoje o teu braço?
Pois sabes que nada que faças
cairá no vazio ou é vão…
Fita os lados da luta e escolhe
onde alistarás teu coração.

Como sempre, à Beleza

Percebo, em minha alma, a sede por gerar beleza,
irradiar essa luz que torna fértil e faz brotar
tudo o que de necessário houver para a Vida.
Pois a beleza é o prisma que, da luz branca, gera o espectro colorido.
Não só brinca no espaço, não só baila, mas desperta e dá sentido.
É vento que vitaliza cada vão por onde passa
e invade as janelas,
gerando a dança das diáfanas cortinas,
e até o imóvel ela realça e anima,
e reaviva o enrijecido coração.
É de onde nasce a poesia e a canção.
Nenhuma alma permanecerá sombria
se varrida por ela,
tão hábil artesã de almas belas,
tão ágil em preencher almas vazias.
Imperativo é deter-se e olhar o espaço,
erguer-se na ponta dos pés e abrir os braços
com tanta força, até sentir os próprios ossos…
E que a força dessa Vontade de enlaçar o Universo
tenha o poder de atrair, ao nosso peito,
a cor final do crepúsculo
e a fúria de todos os ventos,
matéria-prima da alquimia da beleza
para forjar sentimentos.
E então, no forno perfeito, nosso peito,
nascerá o puro Amor
e tudo aquilo mais que, para a Vida,
intensa, clara, transbordante e definida,
necessário for.

*Poemas do livro “Instantes de um tempo interior”, Literare Books Internacional, 2023.