Ricardo Vieira Lima nasceu em Niterói, Rio de Janeiro, em 24 de julho de 1969. É doutor em Literatura Brasileira pela UFRJ, crítico literário, ensaísta, jornalista, poeta, editor-assistente da revista Fórum de Literatura Brasileira Contemporânea (UFRJ) e coordenador, juntamente com o poeta W. B. Lemos, do Sarau do Museu, evento cultural virtual realizado, mensalmente, pelo Museu da Justiça (TJRJ). Organizou e prefaciou os livros: Anos 80, da coleção Roteiro da Poesia Brasileira (Global, 2010), e Poesia completa, de Ivan Junqueira (Glaciar; Academia Brasileira de Letras, 2019). Seu livro Aríete – poemas escolhidos (Circuito, 2021) ganhou os Prêmios Ivan Junqueira, da Academia Carioca de Letras, e Jorge Fernandes, da União Brasileira de Escritores – Seção Rio de Janeiro.

AO GRAVE SENHOR DE ÓCULOS

“Vim pedir a mãe de sua filha em casamento”,
anunciou o rapaz ao grave senhor de óculos.
“Tenho a oferecer a ela tudo o que o senhor
não pode mais dar: juventude, beleza,
alegria de viver e paixão.
Tenho a oferecer a ela tudo o que o senhor
nunca pôde dar: mente aberta, conforto total,
variedade e satisfação sexual.
Não tenho a oferecer a ela tudo o que o senhor
está farto de dar: rotina, tédio, aborrecimento
e as velhas queixas da idade.
Por isso mesmo aceite meus argumentos
e me dê a mãe de sua filha em casamento”.

UM QUADRO EM BRANCO
.                                       A Eva Bán

Ofereceram-lhe
um pincel,
mas o animal
atirou-o longe.
Depois, usando
uma broxa,
compôs uma
nova e terrível
paisagem, chamada
natureza morta.

CARTAS DE UM JOVEM PROLETA

Rilke: acesse minhas cartas gravadas
num HD vazio. Não há porque temer
pelo fim da arte, da música e dos livros.
Vamos apenas entoar esta canção,
pois o que dura é cada vez mais breve.

Maiakóvski: poeta passa por proleta.
Como um aedo que trabalha com suor
no rosto, eu quero a poesia humana,
urbano-neurotizada, que bate cartão
de ponto, mas, se precisar, faz greve.

ROUND MIDNIGHT

Solitário incógnito no giro da noite.
Preso à síndrome latente do devorador de hemácias.
Os semáforos se repetem a todo instante.
Não há rumos. Não há ideias nem ambições.
Só há presença.
Presença presente.
Presença e testemunho.

POÍESIS
.               A Ferreira Gullar

Todo poema melhor seria se não pronto.
Entre a ideia e o ato, perdem-se palavras.
Todo poema melhor seria se não feito.
Entre o abstrato e o concreto,
há uma morte (do poema).

Vou inventar a máquina que fotografe minha alma
no exato momento em que a ideia me atravesse.
Só então terei o poema ide(i)al(ma).

Mas, enquanto a tecnologia não me dá condições
de fazê-lo, repito e afirmo:

Todo poema melhor seria se não pronto.
Todo poema melhor seria se não feito.

PARADA TÁTICA

Hoje a banca lá da esquina não abriu.
O jornaleiro preferiu ficar em casa
a ter que vender periódicos
que anunciaram, enfim, a vitória
do ódio e do medo sobre o amor.
Amanhã voltaremos a circular,
anormalmente.

*Poemas do livro “Aríete – Poemas escolhidos 1990 / 2020”, Editora Circuito, 2021.