Ana Paula Ribeiro Tavares nasceu em Lubango, Angola, no dia 30 de Outubro de 1952. Poeta, professora e historiadora, é uma das mais conceituadas e premiadas escritoras da literatura angolana, sendo importante personagem da cultura em seu país. Atualmente vive em Portugal, onde leciona na Universidade Católica de Lisboa.

Tanto na poesia como na prosa, há uma grande influência da literatura brasileira na obra de Ana Paula Tavares. Nomes como Manuel Bandeira, Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto, além de compositores da MPB, ajudaram-na a desenvolver uma linguagem própria, no qual aprofunda suas memórias, exalta a ancestralidade africana, e denuncia as mazelas sociais em Angola.  Recebeu o Prémio Nacional de Cultura e Artes de Angola (categoria literatura), em 2007, e o Prémio Mário António de Poesia atribuído pela Fundação Calouste Gulbenkian, em 2004.

BOI À VELA

Os bois nascidos na huíla
são altos, magros
navegáveis
de cedo lhes nascem
cornos
leite
cobertura

os cornos são volantes
indicam o sul
as patas lavram o solo
deixando espaço para
a semente
a palavra
a solidão.

RAPARIGA

Cresce comigo o boi com que me vão trocar
Amarraram-me já às costas, a tábua Eylekessa

Filha de Tembo
organizo o milho

Trago nas pernas as pulseiras pesadas
Dos dias que passaram…

Sou do clã do boi –
Dos meus ancestrais ficou-me a paciência
O sono profundo do deserto,

a falta de limite…

Da mistura do boi e da árvore
a efervescência
o desejo
a intranquilidade
a proximidade
do mar

Filha de Huco
Com a sua primeira esposa
Uma vaca sagrada,
concedeu-me
o favor das suas tetas úberes

A ABÓBORA MENINA

Tão gentil de distante, tão macia aos olhos
vacuda, gordinha,
de segredos bem escondidos

estende-se à distância
procurando ser terra
quem sabe possa
acontecer o milagre:
folhinhas verdes
flor amarela
ventre redondo
depois só esperar
nela deságuam os rapazes.

*

“A massambala cresce a olhos nus”

Vieram muitos
à procura do pasto
traziam olhos rasos da poeira e da sede
e o gado perdido.

Vieram muitos
à promessa de pasto
de capim gordo
das tranquilas águas do lago.
Vieram de mãos vazias
mas olhos de sede
e sandálias gastas
da procura de pasto.

Ficaram pouco tempo
mas todo o pasto se gastou na sede
enquanto a massambala crescia
a olhos nus

Partiram com olhos rasos de pasto
limpos da poeira
levaram o gado gordo e as raparigas.

NOVEMBER WITHOUT WATER

Olha-me p’ra estas crianças de vidro
cheias de água até às lágrimas
enchendo a cidade de estilhaços
procurando a vida
nos caixotes do lixo.

Olha-me estas crianças
transporte
animais de carga sobre os dias
percorrendo a cidade até os bordos
carregam a morte sobre os ombros
despejam-se sobre o espaço
enchendo a cidade de estilhaços.

*

Chegas
eu digo sede as mãos
fico
bebendo do ar que respirar
a brevidade

assim as águas
a espera
o cansaço.

*Poemas do livro “Poesia Africana de Língua Portuguesa – Antologia”, Editora Nova Aguilar, 2003.