Edimilson de Almeida Pereira, nasceu no dia 18 de julho de 1963, em Juiz de Fora, Minas Gerais. Poeta, ficcionista, ensaísta, professor e pesquisador da cultura e da religiosidade afro-brasileiras, é um dos autores mais prolíferos do país, tendo o valor de sua obra reconhecida em diversos prêmios literários, como o primeiro lugar no “Prêmio São Paulo de Literatura” e o segundo lugar do “Prêmio Oceanos”, que abarca a produção de todos os países de língua portuguesa, ambos em 2020.


Noturno

Se os poetas as temeram no passado – um por
imaginá-la indo à morte por tocar a esfera
e outro por intuí-la no calor da cidade
estranha
– por que não exibiria o horror nas pupilas
o recém-chegado?

Um pardal furioso desce sobre os farelos. Ao
seu impacto, o menino cresce. Logo os
pombos lutam pelos restos.
A infância se enerva.

Uma boca derrama os seus amaros signos. Não
é a bruxa
o morcego não é
e nos penumbra.

A boca que rediz não satura os pássaros. O seu
guia é contrário à paz das almas.

Persona

A inocência fora de seu tempo ameaça como
os saqueadores. Isso seria um argumento, não
fosse a carne exposta. Inocentes e saqueadores
compram alimentos, vão ao comício, se apertam
e, por um segundo, desenham a linha sem norte
da intolerância.

Entre vozes perdidas, uma canção vidente.

Não é por ela que a tarde paralisa e avança.

Turbulento navio.

Por tão explícito motivo, a pele que antes nos
cobria, escama-se.

Na desnuda paisagem, vocifera a infância.

Eixo

Alguém, nessa noite, pensa em ti
com tal força que desvia o curso da flora.
Poderiam, ambos, retificar
o uso dos sistemas: letra,
número,
intenção ou gesto nessa fração noturna,
não são mais do que celas
em desalinho.
Saquem os apetrechos.
Não importa a contenda que se arma
– às armas.
O que julga saber e os que julgam
são uma esteira, apenas,
para a mudança da flora. Nessa noite,
em que alguém
pensa forte em ti e absorves
o pensamento imenso,
nessa noite,
o que nunca pudemos ser está pronto.

cabeceira

O mundo se bate por uma variável
língua e não nos entendemos.
Aros na estiagem são o fonema
que faliu sem gerar comunicação.
Não houve tempo, nem vontade
para coser o pacto? Era preciso,
sob pena de se exaurir o homem.
Esperamos em vão o repasto,
tarde o centeio explodiu em pão.
Que fazer? A relva onde os cavalos
crisparam se apagou, arreios cospem
a lição de pedra. Como não ver
o golpe que vitimou a todos?
Testemunhamos o cós armado
do inimigo, a pira onde a liberdade
expirou, os prazos insondáveis.
Nós, tão confortados pela certeza
de que o passado era um bazar.
E que entre rubis, enxovais,
nenhuma traça fiava às avessas.
Idéias, no entanto, forçam as paredes.
Entre o que fizemos, e não,
algo se revela necessário ainda.

Missa Conga

Para que deuses se reza
quando o corpo aprendeu
toda a linguagem do mundo?

Que orações se entoa
quando a alma se entregou
a todas as dores do mundo?

Onde se deitam os olhos
quando o altar dos antigos
se ocultou nas sombras?

Para que deuses se reza
quando as palavras se velam
para invocar seus nomes?

Que sacrifício se oferta
nos dias em que os antepassados
ainda se escondem?

Por que não entregar a vida
ao deus com olhos de plumas
que vive no fundo dos tempos?

Orelha Furada

Dançar o nome com o braço na palavra: como
em sua casa um maconde.

Dançar o nome pai dos deuses que pode tudo
neste mundo e suportar o lagarto querendo ser
bispo na sombra.

Dançar o nome miséria, estrepe e tripa que a
folha do livro é. E se entender dono das letras
em sua cozinha.

Dançar o nome em sete sapatos limpos para
domingo.

Dançar o nome com a mulher nhora dele: a
mulher no seu coração tempestade e ciranda.

Dançar o nome com o braço na palavra berço.