Sóror Juana Inés de la Cruz nasceu em San Miguel Nepantla, na Espanha, no dia 12 de novembro de 1651. Considerada por Octavio Paz como a última grande poeta da escola barroca, foi destaque do “Século de Ouro” da poesia espanhola, no século XVI. Conhecida pelos apelidos “Fênix da América” e “A Décima Musa”, também foi filósofa, dramaturga e freira.  Juana Inés morreu no dia 17 de abril de 1695, aos 43 anos, na Cidade do México.

Soneto jocoso, à Rosa.

Senhora dona Rosa, bela ameaça
de quantas flores olham o sol e lua:
como, se é dama, se tem sangue azul,
e se é divina, tem humano estrago?

Como, exposta ao Cierzo num rigor vago,
humilde, teme o desdém da fortuna,
mendigando alimentos, importuna,
do turvado humor de um lodoso lago?

Bem sei que há de dizer-me que o respeito
perco com minha mal polida prosa.
Pois por fé que me vi em largo aperto;

vossa mercê advirta, senhora Rosa,
que mais não escrevo este soneto
senão que todo poeta aqui se roça.

*

Provável opinião é: conservar-se
a forma celestial em sua firmeza;
não que na matéria haja mais nobreza,
senão pela maneira de informar-se:

porque aquele apetite de mudar-se
o sacia da forma mesma a nobreza;
com o quê, cessando o apetite, cessa
a ocasião que tiveram de apartar-se.

Assim teu amor, com vínculo terrível,
a alma que te adora, Célia, informa;
com o que sua corrupção é impossível,

nem deduz outra com quem não conforma,
não por ser a matéria incorruptível,
mas pelo inadmissível de sua forma.

Outro.

Caso o presumas, Nise, que sou tosco
e que, qual mariposa, me chamusco,
eu te asseguro que tua luz não busco,
porque já reconheço teu enrosco.

e assim, se em teus segredos eu me embosco,
com muito pouco, pode crer, me ofusco,
porque, se na cor da pele sou fusco,
sou na condição, muito mais que grosso.

Com as tuas espetadas não me enrasco;
antes e já com elas me refresco,
que te posso pôr a gelar um frasco:

que dar-te neve será pitoresco;
de mim, Nise, não venha fazer chasco,
porque sei eu muito bem o que pesco.

De uma sadia reflexão que mitiga a dor de uma paixão.

Com a dor daquela mortal ferida
de um agravo de amor me lamentava
e por ver se a morte se me chegava,
procurava que fosse mais crescida.

Toda no mal minha alma divertida,
pena por pena sua dor somava,
e em cada circunstância ponderava
que sobravam mil mortes a uma vida.

E quando, ao golpe de um e do outro tiro,
rendido o coração dava penoso
sinais de dar o último suspiro,

não sei com que destino prodigioso
volvi a meu senso e disse: – Que me admiro?
Quem no amor terá sido mais ditoso?

[Outro soneto à esperança.]

Verde ornamento desta vida humana,
louca esperança, frenesi dourado,
sonho dos despertos todo intrincado,
como de sonhos, de tesouros vã;

alma do mundo, velhice louçã,
decrépito verdor imaginado;
o hoje dos ditosos tão esperado
e dos desditados longe amanhã.

Sigam tua sombra em busca de teu dia
os que, com verdes vidros por antolhos,
tudo veem pintado tal seu desejo;

enquanto eu, mais sã na fortuna minha,
entre minhas ambas mãos tenho ambos
os olhos e somente o que toco vejo.

Redondilhas que dão o colírio merecido a um soberbo.

O não ser de pai honrado,
fora defeito, a meu ver,
se como recebi o ser
dele, este eu houvera dado
.     Pois foi tua mãe mais piedosa:
fez com que a muitos sucedas,
para que o que mais convenha
tomar, entre tantos, possas.

*Poemas do livro “Poesia Selecionada”, Editora Machado, 2024.
Tradução de  Alex Cojorian