Newton Lisboa Lemos Filho, mais conhecido como Tite de Lemos, nasceu no dia 16 de fevereiro de 1942, no Rio de Janeiro. Poeta, letrista, dramaturgo e jornalista, trabalhou como redator e cronista do Jornal O Globo, e junto a Luís Carlos Maciel, Torquato Neto e Rogério Duarte, foi editor da revista literária Flor do Mal.
Como poeta, publicou quatro livros de poesia: “Corcovado Park”, “Marcas do Zorro” (este com prefácio de Ivan Junqueira) e, o último em vida, intitulado “Outros sonetos do caderno” com orelha escrita por Otto Lara Resende. Mais de 20 anos após a sua morte, foi lançado o livro “Bella Donna”, com poemas inéditos do autor.
Tite de Lemos faleceu no dia 17 de junho de 1989, no Rio de Janeiro.
RUBY LEE
a curva do seu tornozelo ainda me encanta
e ouvir sua voz confesso aperta-me a garganta
como um nó de gravata
tudo isso me maltrata
nessa triste chuvosa tarde
arde teimoso coração
sem querer despedir-se. Oh guarde
ao menos um recuerdo meu. Ou não,
sei lá
essas flores quem sabe casual bordado ou manchas nos lençóis da cama
marca roxas que o tempo lavará, mordidas
efêmeras de amantes
nas coxas de quem amam
MOIRA
lia-se um risco, um algarismo
na etiqueta prata
de tua lingerie oiro
o cabelame loiro
é que não me deixava lê-lo
em qualquer parte do teu dorso pespeguei
não sei se o terás colecionado
sei só que ainda agora longe penso e cismo
e sonho com o mistério do algarismo, aquele
ARTE DA SOBREVIVÊNCIA
Quem poderá dizer ter visto a vida
lançar as suas âncoras aos homens?
Quem foi que a viu chorar quando partida,
ida e vivida no horizonte some?
Os homens, sim, são pálidos marujos
com tremores nos dedos, olhos sujos
e ouvidos surdos, mudos às canções
que vêm de perto mas parecem longe;
sobreviver é a sua (a nossa) arte
comum e era igualmente a dos heróis.
Quando alguém prometesse vou matar-te
pensávamos apenas sei que dói
mas estarei aqui quando passar
a dor e a dor, é certo, passará.
SUNGLASSES
. O que o escritor escreveu sobre a fita preta, aquilo
ficou lá embora rios e rios de alfabeto tenham escorrido
para o oceânico papel em branco.
. Um coração chip teria trancado tudo nas celas de sua
memória e ninguém precisaria suar as mãos por causa disso.
. Só os olhos.
. Mas para isto há os óculos de sol.
. A, ou O fita preta
LEYLLA
ler suas mãos, seus olhos? não me atrevo
embora tudo parecesse claro
yogas de amor quem sabe deslaçar?
linhas trançadas, cruzamentos, trevos
levam sempre, isto é certo, a Algum Lugar
antes prefiro olhar sem entender
*Poemas do livro “Bella Donna”, Editora 7 Letras, 2010.
*
Um último poema é urna fragata
avizinhando-se do cais do porto
urna canção que nos consola e mata
alegremente o coração já morto
lembra-me gypsies, margaridas; chuvas
ressurreições. A brisa bruxa acorda
as donzelas princesas e as viúvas
senhoras dos seus mestres e seus corpos
os adeuses têm gosto de suspiros
são doces brevidades souvenirs
ursinhos de pelúcia esquecimentos.
Quando nos visitar a inconhecida
visitante estaremos, longe, ausentes
e ao mesmo tempo sempre, sempre, aqui
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Viver, confiou-me fino escriba, é falta pura,
água matando a sede de cansadas mulas.
A linha que a ti mesmo, débil, te costura
une o atirado fora àquilo que acumulas.
Nasces num berço que é já tua sepultura
e de um, só de um suspiro todo riso anulas
e o choro todo, as dores e os prazeres. Dura
quase nada este tudo. Muito mal calculas
quão breve é o intervalo de urna vida longa
na partitura em que urna sobre as outras eras
avança e se mistura sem medida ou grau.
O que se encurta ou corta aqui ali se alonga
e desta arte jamais serás quem ontem eras.
Da teu relógio ao relojoeiro universal.
*Poema do livro “CORCOVADO PARK”, Editora Nova Fronteira, 1985.