O futebol também é paixão de muitos poetas brasileiros. De Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Chico Buarque, Vinicius de Moraes à Gilka Machado! Veja nossa seleção de 11 poemas sobre o esporte mais amado do planeta!

Futebol
(Carlos Drummond de Andrade)

Futebol se joga no estádio?
Futebol se joga na praia,
futebol se joga na rua,
futebol se joga na alma.
A bola é a mesma: forma sacra
para craques e pernas-de-pau.
Mesma a volúpia de chutar
na delirante copa-mundo
ou no árido espaço do morro.
São vôos de estátuas súbitas,
desenhos feéricos, bailados
de pés e troncos entrançados.
Instantes lúdicos: flutua
o jogador, gravado no ar
– afinal, o corpo triunfante
da triste lei da gravidade.

O Futebol Brasileiro
(João Cabral de Melo Neto)

A bola não é a inimiga
como o touro, numa corrida;
e, embora seja um utensílio
caseiro e que se usa sem risco,
não é o utensílio impessoal,
sempre manso, de gesto usual:
é um utensílio semivivo,
de reações próprias como bicho
e que, como bicho, é mister
(mais que bicho, como mulher)
usar com malícia e atenção
dando aos pés astúcias de mão.

 

– Círculo Vicioso
(Paulo Mendes Campos)

Bailando sem jogar, gemia o Macalé:
– Quem me dera que fosse o preto Moacir,
que vive no Flamengo, estrela a reluzir!
Mas a estrela, fitando em Santos o Pelé:
– Pudesse eu copiar o bom praça de pré,
um cobra que jamais encontrará faquir,
sempre a driblar, a ir e vir, chutando a rir!
Porém, Pelé, fitando o mar sem muita fé:
– Ah se eu tivesse aquela bossa de tourada
que faz de qualquer touro o joão de seu Mané!
Mas o Mané deixando, triste, uma pelada:
-Pois não troco Pau Grande por Madri, Pelé,
e mesmo o Botafogo muito já me enfada…
Por que não nasci eu um simples Macalé?

  • – O Anjo das Pernas Tortas
    (Vinicius de Moraes)

A um passe de Didi, Garrincha avança
Colado o couro aos pés, o olhar atento
Dribla um, dribla dois, depois descansa
Como a medir o lance do momento.

Vem-lhe o pressentimento; ele se lança
Mais rápido que o próprio pensamento
Dribla mais um, mais dois; a bola trança
Feliz, entre seus pés — um pé de vento!

Num só transporte, a multidão contrita
Em ato de morte se levanta e grita
Seu uníssono canto de esperança.

Garrincha, o anjo, escuta e atende: — Goooool!
É pura imagem: um G que chuta um o
Dentro da meta, um l. É pura dança!

– Gol
(Ferreira Gullar)

 

A esfera desce
do espaço
veloz
ele a apara
no peito
e a para
no ar
depois
como o joelho
a dispõe à meia altura
onde
iluminada
a esfera
espera
o chute que
num relâmpago
a dispara
na direção
do nosso
coração.

– Soneto 50 – Futebolístico
(Glauco Mattoso)

Machismo é futebol e amor aos pés.
São machos adorando pés de macho,
e nesse mundo mágico me acho
em meio aos fãs de algum camisa dez.

Invejo os massagistas dos Pelés
nos lúdicos momentos de relaxo,
servindo-lhes de chanca e de capacho,
levando a língua ali, do chão no rés.

É lógico que um cego como eu
não pode convocar o titular
dum time brasileiro ou europeu.

Contento-me em chupar o polegar
do pé de quem ainda não venceu
sequer a mais local preliminar.

– Marca da Cal
(Igor Calazans)

 

A falta que você me faz
já não é falta,
É PÊNALTI!

Dentro da grande área da vida
a sua partida (durante a partida)
jogou-me às margens do escanteio…

Pois deito…
E a dor consumiu os acréscimos
aos silvos de um apito final

que assoprava perene, intolerante,
à medida em que a meta distante
era a linha da marca da cal.

– O Futebol
(Chico Buarque)

 

Para estufar esse filó
Como eu sonhei
Só se eu fosse o Rei
Para tirar efeito igual
Ao jogador
Qual compositor
Para aplicar uma firula exata
Que pintor
Para emplacar em que pinacoteca, nega
Pintura mais fundamental
Que um chute a gol
Com precisão
De flecha e folha seca

Parafusar algum João
Na lateral
Não, quando é fatal
Para avisar a fita enfim
Quando não é
Sim, no contrapé
Para avançar na vaga geometria
O corredor
Na paralela do impossível, minha nega
No sentimento diagonal
Do homem-gol
Rasgando o chão
E costurando a linha

Parábola do homem comum
Roçando o céu
Um senhor chapéu
Para delírio das gerais
No coliseu
Mas, que rei sou eu?
Para anular a natural catimba
Do cantor
Paralisando esta canção capenga, nega
Para captar o visual
De um chute a gol
E a emoção
Da ideia quando ginga

(Para Mane para Didi para Mane
Mane para Didi para Mane
para Didi para Pagão
para Pele e Canhoteiro)

– Passatempo na Relva
(Armando Nogueira)

É verdade, minha amiga bola:
estou envelhecendo.
Mas repara que só envelheço no rosto,
no coração nunca.

Fica tranqüila: as rugas não me doem.
O segredo é simples:
todas as bolas do mundo
sabem que a vida
é sempre um brinquedo.

Menino, rapaz, homem-feito,
em qualquer tempo,
Minha vida tem sido um passatempo.

Passe de mágica, bola que passa
Impressentida
tecendo na relva
a teia infinita
das minhas ilusões.

– II
(Paulo Leminski)

 

 

quero a vitória
do time de várzea
valente
covarde
a derrota
do campeão
5 X 0
em seu próprio chão
circo
dentro
do pão

– Aos Heróis do Futebol Brasileiro
(Gilka Machado)

 

Eu vos saúdo
heróis do dia
que vos fizestes compreender
numa linguagem muda,
escrevendo com os pés
magnéticos e alados
uma epopéia internacional!

As almas dos brasileiros
distantes
vencem os espaços,
misturam-se com as vossas,
caminham nos vossos passos
para o arremesso da pelota
para o chute decisivo
da glória da Pátria.

Que obra de arte ou de ciência,
de sentimento ou de imaginação
teve a penetração
dos gols de Leônidas
que, transpondo balizas
e antipatias,
souberam se insinuar
no coração
do Mundo!

Que obra de arte ou de ciência
conteve a idéia e a emotividade
de vossos improvisos
em vôos e saltos,
ó bailarinos espontâneos
ó poetas repentistas
que sorrindo oferecestes vosso sangue
à sede de glória
de um povo
novo?

Ha milhões de pensamentos
impulsionando vossos movimentos.

Na esportiva expressão
que qualquer raça entende
longe de nossa decantada natureza
os Leônidas e os Domingos
fixaram na retina do estrangeiro
a milagrosa realidade
que é o homem do Brasil.

Eia
atletas franzinos
gigantes débeis
que com astúcia e audácia,
tenacidade e energia
transfigurai-vos,
traçando aos olhos surpresos
da Europa
um debuxo maravilhoso
do nosso desconhecido país.