Simone Brantes nasceu em Nova Friburgo, Rio de Janeiro, em 1963. Poeta e Mestre em filosofia, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ganhou notoriedade nacional ao vencer o 59º Prêmio Jabuti de Poesia, em 2017, com o livro “Quase Todas as Noites”.

Publicou o livro “Pastilhas brancas” (7Letras, 1999). Teve poemas incluídos em antologias como “Roteiro da poesia brasileira anos 90” (Global, 2011) e “A poesia andando: treze poetas no Brasil” (Cotovia, 2008). Seus poemas e traduções de poesia foram publicados em jornais e revistas como O Globo (Página Risco), Revista Piauí, Inimigo Rumor, Poesia Sempre, Polichinello, Action Poétique e Lyrikvännen.

“Order in chaos”

Meu relógio tem ponteiros soltos
os compromissos caem
e ficam no chão
De tempos em tempos
olho para eles
e lhes dou esperança
no meu relógio meu dia
é metade noite
minha noite
metade dia

Depoimento

O assassinato e o
amor
duas semanas depois
me deixaram
com muito
com muito medo
mesmo
de quartos escuros

Madame Mim

Uma criança precisa de mim
uma cachorra precisa de mim
uma mulher precisa de mim
uma mãe precisa de mim
irmãos precisam loucamente de mim
um pai morto precisa de mim
o telefone e o carro precisam invariavelmente de mim
até vizinhos às vezes precisam de mim
eu mesma preciso muito de mim
só os amigos não precisam nunca de mim

Se

Se a morte é coisa certa
se a morte é a coisa mais certa entre todas as
coisas certas nem a vida sendo tão certa como é e
nada é garantido que alguém nasça
mas se nascido a morte é certa
Se a morte é coisa certa
então no alto da escada
me invade a certeza de que já estou morta
a vida num átimo sendo
só um passado
existindo e insistindo
em tempo real

O sol na cama

O dedo na rama e o sol na cama:
quanto vale o dia de quem ama?,
quanto? passá-lo em sua faina de
amor lado a lado, moita, mão, e
o sol derramado?

As moças

Como duas moças se encontram
pelas moitas? como entram duas vulvas
sob a concha?
como sem mergulho
marulham no fundo os líquidos
de uma na outra?
Como, como –
por que poder de Deus
– as moças
se comem se comem se comem
com as coxas?

Para que fique tudo bem claro entre nós

Tenho cachorros e não gosto tanto de cachorros
alimento-os dou banho neles escovo seus pelos
dou remédio se ficam doentes levo para passear
faço festa puxando às vezes de leve a pele
dos pescoço aos quais às vezes
até me abraço porém não gosto tanto
de cachorros e tenho profundo desgosto
por gente que gosta tanto de cachorros
Se ouço alguém chamando cachorro de filho
chamo logo meus cachorros pelo apelido
e digo é hora da gente dar o fora daqui

*Poemas do livro “QUASE TODAS AS NOITES”, Editora 7 Letras, 2016.