Anderson Braga Horta nasceu em Carangola, Minas Gerais, a 17 de novembro de 1934. Radicado em Brasília desde 1960, além de Poeta, foi Diretor Legislativo da Câmara dos Deputados, professor de Português, cofundador da Associação Nacional de Escritores e do Clube de Poesia de Brasília e presidente do Clube de Poesia e Crítica, além do Sindicato dos Escritores do Distrito Federal. É membro da Academia Brasiliense de Letras e da Academia de Letras do Brasil. Com mais de 30 livros publicados, suas obras literárias são das mais premiadas do país, destacando-se os prêmios Jabuti, de 2001, o Nacional de Poesia, em 1964, além do Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras, e o Alphonsus de Guimaraens, da Academia Mineira de Letras, ambos em 1966.

MEDITAÇÃO

Uma rosa sobre a neve.
Emblema? sonho? brasão?
Em corpo denso, alma leve?

Dos mares na imensidão
o hipocampo. Sêmen breve
fecundando a solidão?

Seja no mar ou na neve,
não se apresse, coração,
a rosa e o hipocampo em breve,
em breve se encontrarão.

CARPE VITAM

Não desprezes a matéria de que és feito.
Não mortifiques o teu corpo
(nem o de teu irmão).
Tu crês no espírito, sabes que a vida é eterna,
mas a carne é tudo o que vês.
Não jogues porta afora o único sol
que podes tocar.
Carpe diem.

Por que te mortificas?
Átropos infalível,
qual aranha na teia,
espera, espreita e súbito
saltará sobre ti.
Teu dia já termina,
mas adverte que a sombra
tem seus próprios encantos.
Assim, sem te apressares
e atento a teus deveres,
antes que venha o bote,
carpe noctem.

SILÊNCIO

Por que as coisas têm de ser assim?
diz o irmão mais novo,
olhos postos na miséria do mundo.
E filosofia, pessimista,
que nada tem sentido.
Esboço um gesto, uma palavra,
mas a tempo me calo.
Dou-lhe o meu silêncio,
em respeito àquela inexperiência de vida,
àquele oceano de alma ainda imperfeito
e ao imenso caminho que temos ambos a percorrer.

INCIDENTE NOTURNO

O que a Natureza quer com a vida
está longe de minha compreensão.
Se penso em mim, consciência perdida
no Cosmo, desamparada e perplexa,
concluo que preciso ter uma alma
e que essa alma tem de ser eterna.
Mas penso nos bilhões de outras formas de vida
que a Terra, goiaba madura, alimenta e abriga…
Tomo entre os dedos uma formiguinha de asas
que teima em turvar meu copo e minha meditação,
e delicadamente boto-a fora de casa.
Ela finge que vai, mas se transforma
em pertinaz e impertinente interrogação:
– Por que terias mais direito que eu
à fatia de vida que o Universo nos deu?

AVENTURA

A vida, essa experiência deletéria
do Ser, que na existência se complica.

A vida, esse impossível que na etérea
face do Kosmos uma ruga implica.

A vida, este sofrer, esta miséria
que uma esperança absurda santifica.

A vida, esta ilusão, maia, aura, aérea
construção que no engano se edifica.

A vida, ávida vide em que a venérea
ave da áurea ventura nidifica.

A vida, esse esplendor, essa cinérea
dor de ter sido luz que o céu abdica.

MICROCOSMO

A Música,
a Poesia
e o Amor.

ABC dos deuses,
que em nossa pequenez
gloriosamente deciframos.

Letras
com que reconstituímos o Verbo,
redizemos o Sol essencial,
reordenamos o Caos.

Amor,
Música,
Poesia.

Somos deuses
em nossa pequenez.

SINFONIA

Um grave e sustentado zumbir de violoncelos:
marcha do Cosmo rumo a um ponto
para além do infinito.

As trombetas dos sóis!
O surdo dos buracos negros.
Violinos dos cometas!
Os pratos das galáxias que se encontram.

E, esmagado pelo grosso emaranhado de acordes e dissonâncias,
como gavinhas de luz arranhando o muro,
o vagido débil de vida.

DIANTE DA PÁGINA EM BRANCO

Diante da página em branco
a alma em branco silencia.
Que no papel não se inscreva
o que na alma não havia.

Pois, quando a mão, por leviana,
a fingir alma se ateve,
se o que ela diz se compreende,
não se canta o que ela escreve.

Mas, raras vezes, sucede,
por mágica, ou por milagre
que um deus menino a si mesmo
alegremente consagre,

que da mão à folha, em jorro,
numa súbita explosão,
qual se fugisse do nada,
de alguma oculta prisão,

irrompa como um relâmpago,
como um raio e seu rebôo,
a palavra, ave emplumada,
capaz de canto e de vôo!

*Poemas do livro “De Viva Voz”, Thesaurus Editora, 2012.