Raquel Naveira nasceu em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, em 23 de setembro de 1957. Formada em Direito e em Letras pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB/MS), onde também lecionou; Doutora em Língua e Literatura Francesas pela Universidade de Nancy, França, e Mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP, é Membro titular do PEN Clube do Brasil (RJ) e da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.
Iniciou sua trajetória literária em 1977. Já no ano seguinte, em 1978, ficou em 1º lugar no Concurso Literário “Daclobe” (da Faculdade de Direito FUCMT). Em 1991, recebe o Prêmio “Jacaré de prata”, como melhor poeta do ano (Secretaria Municipal de Cultura e Esporte de Campo Grande). De lá para cá, Naveira foi contemplada com uma série de prêmios pelo Brasil , tais como o “Henriqueta Lisboa“, em 2000, dado pela Academia Mineira de Letras, e o “Jorge de Lima -Brasil 500 anos”, concedido pela Academia Carioca de Letras e pela UBE/RJ, também no ano 2000.
Bastante participativa no cenário cultural brasileiro, Raquel Naveira foi produtora e apresentadora do programa cultural “Prosa e verso”, na TV UCDB. Ela também foi curadora da 32ª Feira do Livro de Brasília, em 2016.
Cortina de teatro
Pesada,
De veludo vermelho,
Se tocarmos suas bordas
Sentiremos, ao mesmo tempo,
Ardor de brasas
E frieza de rio que rola,
Vapores,
Mistérios de neblina.
No palco,
A representação do mundo,
As estrelas imperecíveis,
As salamandras e os anjos,
A verdade e o drama,
O choro e a libertação,
O crepitar da chama.
Na plateia,
O espectador se projeta,
Compartilha sentimentos,
Acompanha movimentos,
Expressões de paixão;
Os atores são seres mutantes,
Instáveis,
Enquadrados pela cortina
Incendiada de ouro e platina.
Vem o alívio,
Madeiras mortas
Foram cortadas
E queimam na alma;
Fecha-se a cortina,
Nossos complexos se retorcem
No fogo da faxina.
Concha
Meu avô guardava entre flâmulas e troféus
Uma estranha relíquia:
Uma concha rosada,
Enrolada como caramujo;
Dizia ele (sei que mentia)
Que era do seu tempo de marujo,
Quando andava de navio
E atirava sal no mar;
Eu, que não conhecia o mar,
Nem navio,
Imaginava os segredos contidos
Naquele bojo perolado.
Encostava a concha ao ouvido
Como um telefone de náufrago
E era capaz de sentir a praia,
O infinito desatar das ondas,
A espuma sugada em bolhas pela areia;
De ouvir o canto das sereias,
Os ventos tocando os penhascos,
A agonia das estrelas soterradas;
De visualizar um cortejo de peixes,
Tritões,
Moluscos
Todos soprando instrumentos
Em forma de chifres
E cor de lua.
De repente, a concha me parecia
Uma enorme orelha decepada,
Horrorizada,
Eu interrompia a louca sintonia
E guardava entre flâmulas e troféus
Aquela estranha relíquia:
Uma concha rosada
Retirada do mar.
Relógio
Relógio,
Cérebro mecânico,
Cheio de roldanas,
Serras,
Fios semelhantes a cabelos,
Pulsando em tique-taque.
Não basta arrancá-lo do pensamento
Para fugir à sua maldição compassada;
Nas noites em que se ama
Com a alma estrelada,
Ele continua a bater
Abafado pela grama
Ou pela roupa,
Em sua marcha inexorável de sol e escuridão.
Vestígios
Álbuns de retrato,
Recortes de jornal,
Livros,
Pergaminhos,
Sarcófagos…
Vestígios roídos pelas traças do tempo
E pelos dentes afiados do esquecimento.
Existiu o passado?
Existe o momento presente,
Fugaz como um inseto voando,
Quando se percebe já é outro momento
Diluindo no pó das asas
E na lâmpada do crepúsculo.
Poetas benditos
Os poetas,
Benditos,
Penetram o silêncio absoluto,
Cavam o tesouro dos dicionários,
O celeiro das almas,
A perpetuidade dos mitos.
*Poemas do livro “Menina dos Olhos, Editora Penalux, 2018.