Régis Rodrigues Bonvicino nasceu a 25 de fevereiro de 1955, em São Paulo. Poeta, tradutor, crítico literário e editor brasileiro, é atualmente um dos escritores brasileiros mais reconhecidos internacionalmente, sendo considerado um dos mais inovadores autores da literatura brasileira. Prolífico, publicou diversos livros entre poesias, críticas, antologias e traduções.

Ao lado de Nelson Ascher e Michael Palmer,  organizou uma das principais antologias poéticas das últimas décadas: “Nothing the Sun Could Not Explain”, em 1997. Essa obra é considerada um marco para a divulgação de vários poetas brasileiros internacionalmente. Nomes como Torquato Neto e Paulo Leminski, por exemplo, foram pela primeira vez traduzidos em inglês. Como editor, publicou revistas como Poesia em Greve, Muda e Qorpo. Estranho nos anos 1970, esta última com Julio Plaza – nas quais publicou Paulo Leminski, Waly Salomão, José Paulo Paes, Haroldo de Campos e Décio Pignatari, entre vários. É o criador da revista Sibila, que teve onze números impressos, de 2001 a 2007, e que, desde então, passou a ser exclusivamente eletrônica, com cerca de 300 mil visitas por ano.

Sobre sua obra, Régis Bonvicino  críticos como Alcir Pécora, Haroldo de Campos, Boris Schnaiderman, João Adolfo Hansen, Silviano Santiago, Marjorie Perloff, Julio Castañon Guimarães, entre vários outros.


Morreu-me

Morreu-me o visto como a palavra,
luminosidade intercalada
pelo raio entre os azuis
com os trovões

Eis-me aqui por dentro o que captei
fez com que eu perdesse um de meus centros

Um peso oco
soa na cabeça
como um lamento

O objeto

O objeto emerge lentamente escuro
antes matéria negra segregada
a noite

Lua e estrela diminuem — a lua,
em todos os cantos, árvore-lua

Silêncio, com as luzes de mercúrio,
árvore à beira — rua sem saída

Galho-abismo
identifica aquela estrada curva

Íngreme, escarpas se reagrupam em morros,
Íngreme, íntimo espaço de fora:
estrelas despencam do sideral,
lua crescente encravada nos olhos,
um galho morto é uma serpente
venenosa —
vento ao norte com rajadas de trinta
e nove nós

As luzes — agora —  suaves da noite:
morro estrela lua galho a um passo
da árvore toda apenas espaço

Ó, poeta

fiz tão pouco
publiquei tão menos
nem sei se posso
proclamar-me poeta
I, too, dislike it
enfim
um escritor
que mal escreve
bom pranto
para as ironias
baratas
e um “poeta”
entregue às traças
chegarei à velhice
sem aprender nada
era virar
um purgante insuportável
minha meta
mas nem isso
terminam chegando perto
de mim
e batendo nas costas
ó, poeta

Página órfã

Um semáforo
não cabe num parágrafo,
cúmplice passivo
dos mendigos

presentes no velório,
porta da garagem,
dos quatro ratos assassinados
por pigmeus finados

fãs de tânatos
Uma negra posterga seu semblante
na entremanhã seca
e parabólica dos prédios

Jesus é um recurso abstrato
que ela traz debaixo do braço
jardins de aspérulas
e cabeças-brancas

na calçada, uma caçamba
objetos abandonados
Nem uma dupla cabeça de Hermes
entenderia aquele homem

dormindo na cadeira
sobre o entulho e o lixo,
beco sem saída, página órfã,
nunca, imitação de vida

Talvez seja um pássaro

Talvez seja um pássaro voando
talvez seja um minuto de silêncio
talvez seja o sol se escondendo
talvez o inverno não tenha
passado
talvez aqui seja uma esquina
talvez seja alguém se aproximando
talvez sejam vozes tempo e silêncio a sós
talvez seja a luz cheia que dilata a pupila
da noite
talvez não seja nada
ângulos adjacentes do nada
provavelmente um refugo
talvez seja o tempo
se dissolvendo
folhas da cor do cobre
aguardando o azul
talvez seja flor
atáxica
talvez seja um céu de dezembro
talvez esteja calada
acariciando o silêncio
dos estames
talvez seja um vento real
anêmonas expostas ao sol
talvez esta flor seja agave
talvez funcho
o azul neste ínterim brilhe
talvez seja só um botão
lilás
roído por dento
talvez seja um sol se pondo

Neste fio

Neste fio de pedra
amarescente
grazina a cor
e navega o espaço

extrema paciência de setembro
alarga
inesperada
flavo

asas atrofiadas dos dias
como se quisessem
romper o mudo
ritmo de alísios frios

a pique
lâminas expandem
súbitos
espaços

*Poemas do livro “Até Agora”, Imprensa Oficial, 2010.