Ludwig Pfeuffer, mais conhecido pelo seu nome em hebraico, Yehuda Amichai, nasceu em Würzburg, Alemanha, em 3 de maio de 1924. Um dos poetas israelenses mais importantes do Século XX, está entre os primeiros autores de seu país a escrever em hebraico coloquial.
Nascido na Alemanha, em uma família judia ortodoxa, Amichai aprendeu a falar naturalmente alemão e hebraico. Em 1935, aos 12 anos, imigrou para Petah Tikva, no Mandato Britânico da Palestina, mudando-se de vez para Jerusalém. Além da formação extremamente religiosa, o poeta sempre esteve ligado às forças de ataque e defesa da comunidade judaica. Chegou a lutar, como soldado do Exército Britânico, durante Segunda Guerra Mundial, pela Brigada Judaica.
Dispensado do Exército, em 1946, a, Amichai passou a lecionar, tornando-se professor de Torá e literatura hebraica na cidade de Haifa. Neste período, ele também começou a aprofundar suas próprias obra literárias, publicando, em 1955, o seu primeiro livro de poesia, intitulado “Now and in Other Days”.
Descrito como um “poeta-filósofo em busca de um humanismo pós- teológico”, a poesia de Yehuda Amichai lida com questões do cotidiano, aprofundando o significado da vida e da morte. Muitas vezes usa de uma suave ironia e imagens originais, para revelar mensagens surpreendentes. Como muitos poetas seculares israelenses, ele luta com a fé religiosa, utilizando sempre muitas referências a Deus.
Yehuda Amichai faleceu no dia 22 de setembro de 2000, aos 76 anos, em Jerusalém, Israel.
Jacó e o Anjo
Antes do amanhecer ela suspirou e o prendeu
daquele jeito, e o venceu.
Ele a prendeu daquele jeito, e a venceu,
ambos sabiam que o prender
traz a morte.
E evitaram pronunciar um o nome do outro.
Mas à primeira luz da manhã
ele viu o corpo dela.
Que permanecia branco,
nos pontos cobertos ontem
pelo maiô.
Depois chamaram-na de repente lá de cima,
duas vezes.
Como se chama uma menina
que brinca no pátio.
Ele soube o nome dela e a deixou partir.
Do homem vieste e ao homem retornarás
A morte na guerra principia
na descida de um moço
pela escadaria.
A morte na guerra principia
no fechar da porta em silêncio,
a morte na guerra principia
no abrir a janela para ver.
Portanto não chorai por aquele que segue,
chorai pelo que desce a escadaria de sua casa,
chorai por aquele que guarda sua chave
no bolso derradeiro.
Chorai pela foto que lembra por nós,
chorai pelo papel que lembra,
chorai pelas lágrimas que não lembram.
E nesta primavera
quem se erguerá para dizer ao pó:
do homem vieste e ao homem retornarás.
Pena. Éramos uma boa invenção
Eles amputaram
as tuas coxas dos meus quadris.
Para mim eles são sempre
médicos. Todos.
Eles nos separaram,
um do outro. Para mim eles são engenheiros.
Pena. Éramos uma boa invenção
de amar: um avião feito de homem e mulher,
asas e tudo:
nós nos elevamos um pouco do chão,
voamos um pouco.
Olhos
Os olhos do meu filho mais velho são como figos negros
que nasceram no fim do verão.
Os olhos do meu filho menor são claros como
gomos de laranja, pois ele nasceu na estação delas.
Os olhos da minha filha pequena são redondos
como as primeiras uvas.
Todos são doces na minha preocupação.
Os olhos de meu Deus vagam por toda a terra
e meus olhos procuram sempre ao lado da casa.
Deus se ocupa dos olhos e das frutas,
eu com o negócio da preocupação.
Se eu tenho dor de barriga
Se eu tenho dor de barriga,
eu me sinto como todo o globo terrestre.
Se eu tenho dor de cabeça,
o riso ri num lugar errado no corpo.
Se eu choro, estão colocando meu pai na sepultura
dentro da terra muito grande, ele não crescerá dentro dela.
Se eu sou um ouriço, sou um ouriço contrário,
os espinhos crescem para dentro e fazem doer.
Se eu sou Ezequiel, o Profeta, vejo na visão da carruagem
só as pernas de touro cheias de esterco e as rodas imundas.
Eu sou como um carregador que carrega uma poltrona grande e pesada
nas costas para levá-la a um lugar distante
sem saber que pode baixá-la e sentar-se nela.
Eu sou como um fuzil mais velho
mas muito preciso: quando eu amo,
o recuo é muito forte, o retorno vai até a infância, e doí.
Adendo à visão da paz
Não parar depois da destruição das espadas.
Arados, não parem! Continuem a destruir
para fazer delas instrumentos musicais.
Quem quiser fazer guerra novamente
terá de voltar através dos instrumentos de trabalho.
*Poemas do livro “Terra e Paz”, editora Bazar do Tempo, 2018.
Tradução de Moacir Amâncio.