Juan Ramón Jiménez Mantecón nasceu a 23 de dezembro de 1881, em Moguer, na Espanha. Vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 1956, é até hoje uma das figuras mais importantes e influentes das vanguardas modernistas espanholas, principalmente a da geração de 1927, que tinha nomes como Rafael Alberti e Federico Garcia Lorca. Dono de uma lírica profunda e contemplativa, usou das figuras simbólicas da natureza para ambientar suas percepções de vida em relação à nossa existência. Combativo, usou também da sua importância artística para opor-se veementemente contra o regime franquista, sendo obrigado a exilar-se nos Estados Unidos, em 1936. Faleceu em 23 de dezembro de 1881, em San Juan, Porto Rico.

53

Como a brisa, recordas
o vento;
o mar, como o regato,
recordas;
como a vida, recordas
o céu;
recordas, como a morte,
a terra.

A VIAGEM DEFINITVA

… E eu partirei. E ficarão os pássaros
cantando;
e ficará meu horto, com sua árvore verde,
e com seu poço branco.

Todas as tardes, o céu será azul e plácido;
e tocarão, como esta tarde estão tocando,
os sinos do campanário.

Hão-de morrer aqueles que me amaram;
e a aldeia tornar-se-á nova cada ano;
e naquele recanto do meu horto em flor, caiado,
o meu espírito vagueará, nostálgico…

E eu partirei; e estarei só, sem lar, sem árvore
verde, sem meu poço branco,
sem céu azul e plácido…
E ficarão os pássaros cantando.

SEM TÉDIO NEM DESCANSO

Seu eu saí tanto para o mundo,
foi somente e sempre
para encontrar-te, desejado deus,
entre tanta cabeça e tanto peito
de tanto homem.

(Cidade gigante, multidão enorme,
que a mim voltas em espelhismo cinza de água,
neste sol azul do sul de luz,
deste deus desejante e desejado,
olhos e olhos e olhos
com cintilações moventes instantâneas
do eterno a caminho.)

Tanto motor de pensamento e sentimento
(negro, branco, amarelo, rubro, verde
do corpo) com a alma
a desviar-se para ti,
a converter-te em si,
a suceder para mim,
sem o saber ou sabendo-o eles e eu!

Desígnio universal, em chamas
de sombras e de luzes indagantes
e à espera,
de imensos olhos espreitadores, a espiar-te
com mágoa ou alegria
de irrequieta andança aventureira.

E eu, possuidor, dentro já
de tua consciência, deus, por te esperar
desde a minha infância destinada,
sem descanso nem tédio.

129

O que acontece a uma música,
quando deixa de soar;
e a uma brisa que deixa
de voar,
e a uma luz que se apaga?

Morte, diz: que és tu, senão silêncio,
calma e sombra?

A COMPANHIA

Solidão, e está o pássaro na árvore?,
solidão, e está a água nas margens?,
solidão, e está o vento com a nuvem?,
solidão, e o mundo está conosco?,
solidão, e estás tu comigo a sós?

71

Que débil o latejo
de teu coração leve,
e que fundo e que forte o seu segredo!
Que breve o corpo delicado
que o envolve de rosas,
e que de longe de qualquer lugar teu
— e que não feito —,
o centro da tua alma!

JARDIM

(Madrugada)

Não me importa que ames
ou que te amem, pois o que eu adoro
em ti não o sabes, alma,
nem os outros o sabem.

Jamais te viste, nunca
te verão, qual meus olhos
te viram e vêem — como a minha vida
encarnada no pálido tesouro
do teu corpo invisível,
pois é a carne da minha alma —,

ficarei quando partires,
ou te levem os outros,
da verdade pura e inalterável
que à tua vida somente eu posso dar.

*Poemas do livro “ANTOLOGIA POÉTICA”, Editora Relógio D’Água, Portugal. 1992.
Tradução de José Bento.