Ron Padgett nasceu em Tulsa, Oklahoma, Estados Unidos, em 1942.  Poeta, editor e tradutor, fundou, aos 17 anos,
a revista literária “The White Dove Review”, para a qual submeteram poemas alguns dos mais importantes poetas seus contemporâneos, como Allen Ginsberg e Jack Kerouac. Começou a publicar seus próprios poemas na década de 60, sendo, em 2011, finalista do Prêmio Pulitzer, com o livro “How Long”, e vencedor do L.A. Times Book, com “Collected Poems”, em 2013. Durante muitos anos, Padgett dedicou-se também ao ensino da escrita criativa e poética às crianças.

RETRATO EMOLDURADO

O menino Jesus
nasceu no canto de uma caixa de cartão,
a caixa de sapatos
em que vieram as minhas botas de cowboy,
todas brilhantes com strass e a ecoar
juntamente com as vozes de donzelas alemãs
nas colinas por trás do castelo:
a rosa vermelha desabrocha na sua face
e ela sorri aos céus azuis.
É 1819.
Que faço aqui?
A cuidar da latada, a escolher algumas rosas amarelas,
a limpar cuidadosamente o pigmento das aguarelas das minhas mãos,
a subir em direção à casa.

POEMA DE AMOR

Temos bastantes fósforos em casa.
Deixamo-los sempre à mão.
De momento a nossa marca favorita é Ohio Blue Tip,
antigamente preferíamos a marca Diamond.
Isso foi antes de descobrirmos os fósforos Ohio Blue Tip.
Estão maravilhosamente embalados em caixinhas resistentes
com etiquetas azul-claras, azul-escuras e brancas,
e as palavras dispostas em forma de megafone,
como se anunciassem ao mundo, ainda mais alto:
<<Aqui está o fósforo mais lindo do mundo,
são três-centímetros-e-meio de pinho macio,
encapuçado por uma granulosa cabeça roxa sóbria e furiosa,
teimosamente pronta a rebentar numa chama,
acendendo, talvez, o cigarro da mulher que amas,
pela primeira vez, e nada voltou a ser o mesmo
depois disso. Tudo isto lhe oferecemos. >>
É isto que me deste, eu
tornei-me o cigarro e tu o fósforo, ou eu
o fósforo e tu o cigarro, ardendo
em beijos que se esvanecem direito aos céus.

BLOQUEIO DA FANTASIA

Gostava de ter uma fantasia sexual
com a miúda que vejo no ginásio,
aquela que ondula para cima e para baixo
numa máquina aeróbica e revela
a pele macia no fim das costas
a alastrar direito às ancas,
o cabelo apanhado atrás
com um gancho de tartaruga
e um ruborescer nublado que se espalha
desde as maçãs do rosto até
às orelhas onde em cada uma delas
brilha uma pequena argola de prata,
mas não consigo pensar em nada.

O POETA ENQUANTO PÁSSARO IMORTAL

Um segundo atrás o meu coração deixou de bater
e eu pensei: <<Seria uma péssima altura
para ter um ataque cardíaco e morrer,
a meio de um poema>>, então reconfortou-me
a ideia de que nunca soube de ninguém
que morresse a meio da escrita de um poema,
assim como os pássaros nunca morrem a meio do voo,
Acho.

O VARREDOR

Gosto de varrer o chão
com uma vassoura de palha
e ver o pó a acumular
e a mover-se para diante
de cada vez
que eu empurro a vassoura.
Gosto de swoosh e do raspar
ao longo das tábuas
que clareiam conforme passo.
E quando tenho um monte
suficientemente grande
empurro-o para a pá, deste lado
e daquele, até estar todo ele a bordo,
exceto uma fina linha de pó
que não pode ser mais pequena.
Poeirinha impertinente! Ergo
a vassoura e baixo-a,
desfaço a linha de rajada
e a poeirinha desaparece. Adoro
a minha pá repleta de pó fresco.

MANHÃ

Quem está aqui comigo?
A minha mãe e um índio.
(Escrevo isto no passado.)
O índio não é um homem,
mas sim uma estátua de madeira a jusante
dos limites da madeira. A minha mãe
é feita de mãe. Ela toca
a madeira com os olhos e os olhos
da estátua voltam-se para ela, isto é,
tornam-se (os) dela. (Não estou a sonhar.
Ainda nem nasci.)
Há uma nuvem no céu.
O meu pai está dentro da nuvem,
adormecido. Quando acordar,
vai querer café e fumar.
A minha mãe vai pegar fogo
ao índio e do fundo
do seu corpo dir-lhe-ei
que comece a fazer o café, pois mesmo agora
noto uma mudança na respiração do meu pai.

A PARTIR DE LORCA

Papel cor-de-rosa com linhas azuis
muito porreiro

céu azul com grandes nuvens brancas
muito bonito

Cara com grande sorriso
muito interessante

Porquê este sorriso?
Porque sorris?

Papel azul com grandes nuvens brancas
muito porreiro

céu cor-de-rosa com linhas azuis
muito bonito

SOMBRAS CORTADAS

Vendemos
sombras cortadas

Venha visitar-nos

Pode comprar a sombra cortada
que quiser

Uma flor?

Aqui tem
a sombra

de uma flor cortada

RELÓGIO DE PULSO

Acabei de escrever seis
ou sete poemas curtos
em cerca de meia hora,
numa cabana
diante de uma lagoa
e pingos de chuva.
Talvez devesse
apenas sentar-me aqui
um bocado, deixar
passar algum tempo
para que a minha mulher pense
que estive a trabalhar muito.

Vês?
Passou algum tempo
mas tão silenciosamente
que pode ter-te escapado.
Transformou-se
em céu.
Olha, outro!
Ele saiu
do meu relógio de pulso
e desapareceu.

*Poemas do livro “Poemas Escolhidos”, Assírio & Alvim, 2018.
Tradução de Rosalina Marshall