100 anos de João Cabral de Melo Neto: 10 curiosidades sobre o poeta

Um dos poetas mais importantes da literatura brasileira, João Cabral de Melo Neto completaria 100 anos em 2020. Dono de características únicas, personalidade reservada e intrigante, trouxe em suas obras novos parâmetros para a nossa poesia. Muitas vezes visto como um “poeta para poetas”, pelo rigor formal e minuciosa busca por uma estética concreta e precisa, flertou também com o surrealismo e à poesia popular, onde predominava a lírica confessional. Um dos autores brasileiros mais conceituados internacionalmente, seus livros atravessaram o mundo, traduzidos nas mais diversas línguas. Descubra 10 curiosidades sobre o grande João Cabral de Melo Neto!

10 curiosidades de João Cabral de Melo Neto


01 – Família de intelectuais

Nascido no Recife, Pernambuco, por incrível que pareça João Cabral não é o membro mais “ilustre” de sua própria família. Irmão do historiador Evaldo Cabral de Mello Neto, o poeta ainda tem como primos nada mais, nada menos, do que Manuel Bandeira, por parte de pai, e o sociólogo Gilberto Freye, por parte de mãe.

02 – Perto do Nobel

Com toda certeza João Cabral foi o escritor brasileiro mais próximo de vencer o Prêmio Nobel de Literatura. Diplomata, ele morou em diversos países da Europa, o que ajudou a propagar o valor de sua obra internacionalmente. Em 1999, exatamente no ano de sua morte, ele esteve entre os mais fortes indicados ao prêmio.

03 – Amigo de Miró

O período em que viveu na Espanha, especialmente em Barcelona e Sevilha, João Cabral de Melo Neto criou grande laço de amizade com o pintor catalão Joan Miró. Inclusive, em 1950, em meio à Ditadura Franquista, o poeta escreveu um ensaio sobre a obra do artista.

04 – “Tretas” com Vinicius de Moraes

João Cabral de Melo Neto era totalmente contrário ao sentimentalismo na poesia. Por causa disso, travou “singelas alfinetadas” com o seu amigo Vinicius de Moraes, um dos maiores ícones dessa verve. Recentemente foi encontrada uma fita de 1964 em que os dois, presentes em um sarau realizado em Genebra, Suíça, tratavam com humor refinado suas divergências sobre o lirismo poético.

05 – Sua “Musa” Aspirina

João Cabral teve durante quase toda a vida fortes crises de enxaquecas. Para sanar as dores, ele tomava de três a dez comprimidos de Aspirina por dia. Em uma entrevista, o poeta, inclusive tem um poema em homenagem ao medicamento, confidenciando que boa parte da suas inspiração (sempre mental) provinha da amiga Aspirina, “que o salvava da nulidade”.

“Num Monumento à Aspirina”

Claramente: o mais prático dos sóis,
o sol de um comprimido de aspirina:
de emprego fácil, portátil e barato,
compacto de sol na lápide sucinta.
Principalmente porque, sol artificial,
que nada limita a funcionar de dia,
que a noite não expulsa, cada noite,
sol imune às leis de meteorologia,
a toda a hora em que se necessita dele
levanta e vem (sempre num claro dia):
acende, para secar a aniagem da alma,
quará-la, em linhos de um meio-dia…

05 – Jogador de Futebol

Assim como a maioria dos brasileiros, o sonho de João Cabral de Melo Neto era ser jogador de futebol. E até que ele chegou a realizar essa vontade durante a juventude sendo meio-campistas no time juvenil do Santa Cruz, chegando a ser campeão pernambucano de 1935. Torcedor do modesto América do Recife, ele escreveu um poema sobre o sofrimento de acompanhar um time pequeno.

“O torcedor do América F. C.”

O desábito de vencer
não cria o calo da vitória;
não dá à vitória o fio cego
nem lhe cansa as molas nervosas.
Guarda-a sem mofo: coisa fresca,
pele sensível, núbil, nova,
ácida à língua qual cajá,
salto do sol no Cais da Aurora.

06 – João Cabral e o Marxismo

A ida de João Cabral para a Espanha trouxe também uma forte veia política e social aos seus ideais de vida. Em meio a Ditadura Franquista, ele tentou, com artistas e intelectuais, organizar frentes marxistas no país.

Já no Brasil, em 1952, quando o Partido Comunista vivia sob ilegalidade, ele foi acusado de criar uma “célula comunista” no Ministério de Relações Exteriores junto com mais quatro diplomatas (Antônio Houaiss, Amaury Banhos Porto de Oliveira, Jatyr de Almeida Rodrigues e Paulo Cotrim Rodrigues Pereira). Todos foram afastados do Palácio do Itamaraty por Getúlio Vargas, em despacho de 20 de março de 1953, mas conseguiram retornar ao serviço em 1954, após recorrerem ao Supremo Tribunal Federal.

07 – Um Imortal calado

Eleito membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), para ocupar a cadeira n.37, na vaga de Assis Chateaubriand, em 1969, João Cabral era um assíduo, porém “mero”, espectador das reuniões da entidade. Segundo seu grande amigo Lêdo Ivo, o poeta mal trocava meia-palavras com os outros acadêmicos e saia ao final dos encontros sem ninguém perceber.

Já na Academia Pernambucana de Letras, João Cabral nunca apareceu, nem mesmo no dia de sua posse.

08 – Não gostava de música

Apesar de muitos de seus poemas terem musicalidade na forma expressiva de leitura, João Cabral era avesso às canções. Sem usar adjetivos, apenas subjuntivos, o poeta não gostava lirismos “baratos”, adornados por melodias e cânticos sentimentais. Ele queria uma poesia seca, voraz, lida e falada, como um soco no estômago. O engraçado disso tudo é que, além de Vinicius de Moraes, outros grandes compositores brasileiros eram fascinados por suas obras, tais como Caetano Veloso e Chico Buarque.

09 – Cegueira e depressão

João Cabral sofria um doença degenerativa incurável, que causava, aos poucos, a perda da visão. Em 1990 ele ficou completamente cego e, com isso, aprofundou-se à depressão. Sem ao menos poder beber, passava os dias com as janelas fechadas em seu apartamento no Rio de Janeiro, ouvindo o noticiário do rádio. Mesmo assim, sua produção literária não cessava: ele reuniu uma nova leva de poemas e lançou seu último livro, “Sevilha andando”.

10 – E no final? Shakespeare!

Já no final de sua vida, sem poder enxergar, João Cabral ouvia poemas e textos, sempre curtos, lidos por sua esposa, a também poeta Marly de Oliveira e pela sua filha Ines Cabral. O último autor que o poeta ouviu na vida foi William Shakespeare.