Charles Simic nasceu em Belgrado, na Sérvia, no dia 9 de maio de 1935. Poeta, tradutor, ensaísta e filósofo, viveu a maior parte da vida nos Estados Unidos, desde 1954. tornando-se um dos maiores expoentes da poesia estadunidense no século XX. Recebeu o Prêmio Pulitzer de Poesia em 1990, pela obra “The World Doesn’t End” e foi eleito para a Academia Americana de Artes e Letras em 1995. Em 2007, foi selecionado por James Billington, Bibliotecário do Congresso dos EUA, para ser o décimo quinto Poeta Laureado Consultor em Poesia da Biblioteca do Congresso, sucedendo a Donald Hall
Simic começou a ganhar notoriedade literária no início da década de 1970, como poeta minimalista. A crítica da época se referia as suas obras como “caixas de quebra-cabeças chinesas bem construídas”, por tamanha imagética e concisão. Influenciado por nomes como Emily Dickinson e Pablo Neruda e Fats Waller, Simic escreveu sobre diversas vertentes, mas principalmente as inescrutabilidades da vida cotidiana, observações de caráter metafísico, além de contos populares a casamento, guerra e vida urbana.
Charles Simic faleceu no dia 9 de janeiro de 2023, em Dover, Nova Hampshire, EUA.
Descrição de algo perdido
Nunca teve um nome
E não me lembro de como o encontrei.
Carregava-o no bolso
Como um botão perdido
Exceto por não ser um botão.
Filmes de terror
Lanchonetes 24 horas,
Botequins escuros
E casas de bilhar
Em ruas molhadas de chuva.
Levava uma existência quieta, inexpressiva,
Como uma sombra em um sonho,
Um anjo num alfinete,
E então sumiu.
Os anos passaram com sua fila
De estações sem nome,
Até que alguém anunciou é aqui!
E tolo que eu era
Desembarquei na plataforma vazia
Sem nenhuma cidade à vista.
Os cubos de gelo estão em chamas
Numa cozinha com as persianas baixadas,
A mulher inclinada sobre a pia,
Passando cubos de gelo na cara,
Para e espia pela fresta.
O cachorro do vizinho está solto
Farejando latas de lixo,
Contente de estar livre da coleira
Neste dia de calor sufocante,
Ou é o que ela pensa enquanto volta
A resfriar a garganta e os ombros,
Tremendo até os dedos pintados do pé
Os olhos fechados contra o sol.
Menino calado
Rouba um fio de cabelo
Do deus adormecido.
Era o que caía
Sobre o olho do ódio.
Cabelo negro molhado
Na palma de sua mão
Como se uma tempestade
Acabasse de mordê-lo.
Tão calado!
De macacão azul desbotado
Na varanda arruinada
De um antigo casarão.
Explicando algumas coisas
Todo verme é um mártir,
Todo pardal sujeita-se à injustiça,
Eu disse ao meu gato,
Já que não havia mais ninguém por perto.
Está chovendo. Apesar de seus enormes exércitos
O que podem fazer as formigas?
E a barata na parede
Como um garçom num restaurante vazio?
Desço o porão para afagar
O rato preso na ratoeira.
Fique de olho no céu.
Se clarear, arranhe a porta.
Luz de verão
Gosta de igrejas vazias
Na hora azul da aurora.
As sombras se abrindo
Como cortinas de um teatrinho,
O olho do crucificado
Olhando para baixo do alto da cruz
Como se visse seus pés ensanguentados
Pela primeira vez.
Ao que cava
Penitenciárias vigiadas durante a noite,
Dentro delas milhares sem dormir,
Acordados como nós dois, amor,
Tentando ouvir além da quietude.
A brancura borrada no teto
Do nosso quarto escuro é como um lençol
Jogado sobre um corpo no necrotério gelado.
Você consegue ouvir o sujeito cavando?
Faz um barulhinho tão miúdo
Podia ser o seu coração batendo ou o meu
Na parede onde recostamos, aqui atrás,
Com os nossos olhos agora bem fechados
Como se um guarda parasse para olhar
Pela pequena fresta ali na porta.
*Poemas do livro “meu anjo da guarda tem medo de escuro”, Editora Todavia, 2022.
Tradução de tradução de Ricardo Rizzo.