Claufe Rodrigues nasceu no Rio de Janeiro, em 1956. Poeta. Letrista. Músico e Jornalista, foi apresentador e diretor do programa “Palavrão” (Canal Brasil), primeiro programa exclusivamente de poesia da TV brasileira. Trabalhou como editor de Literatura do canal Globo News, onde também realizou como repórter programas e séries especiais. Roteirizou e codirigiu, com Pedro Bial, a série “Os Nomes do Rosa” (GNT/1997), sobre Guimarães Rosa. Colaborou com resenhas literárias para o Caderno de Ideias do Jornal do Brasil nos anos 1990.

Estreou na literatura em 1979, com a publicação do “Uma onda engole a outra”. Nesta época, apresentava-se junto ao grupo de poetas Nuvem Cigana e ainda integrava o grupo de poetas Bazar dos Baratos (Claufe, Renato, Eugênia Lorete e Tito Ferreira), um dos grupos dissidentes do coletivo de artistas Bandidos do Céu. Entre os anos de 1984 e 1987, ao lado dos poetas Pedro Bial e Luiz Petry, integrou o grupo Camaleões, com o qual fez diversos recitais em bares, danceterias, casas de espetáculos e ainda no “Festivais dos Festivais” da TV Globo em 1985. Neste mesmo ano foi lançada pela Editora Anima “O Livro dos Camaleões”, coletânea de poemas do grupo. Publicou os seguintes livros de poesias: “Borboletas não dão lucro”, (Ed. Taurus/Timbre, 1991); “Poemas para flauta e vértebra” (Ed. Diadorim, 1994); “O Arquivista” (Ed. Sette letras, 1995); “Ponte Poética Rio-São Paulo” (Ed. Sette Letras, 1995, org.); “Amor e seus múltiplos (Ed. Record, 1997); “Ver o Verso em mãos (O Verso Edições, 2000, com Mano Melo, Alexandra Maia e Pedro Bial); “Roman-se” (Ed. Record, 2001); “100 Anos de Poesia – um panorama da poesia brasileira no século XX” (O Verso Edições, 2001, org., com Alexandra Maia); “Escreva sua história” (Ed. Five Star, 2004).

Deus é Deus

Deus olha por mim.
Saberá que sou assim
Frio e seco aos extremos
Movendo remos em meu próprio benefício.
Eu, sem máculas ou nódoas no peito,
Ou sangue derramado no pátio da escola,
Sem matrícula no prontuário policial,
Eu, que não dou trégua a meus adversários,
Que trato a todos como inimigos,
Que diante dos mais fracos me torno implacável e rude,
Que espanco os pobres com palavras magnas,
Eu, rotineiro infrator de mandamentos e leis divinas,
Ordinário e sem valores morais,
Filiado a entidades malignas,
Porque Deus olharia por mim,
Se sabe que sou assim?
E afinal, por que Deus olharia por toda essa gente
Aparentemente tão casta?
Deus é Deus, e se basta.

As palavras estão grávidas

As palavras estão grávidas
De dúvidas
Rimas ricas e pobres
Metáforas ávidas

As palavras estão grávidas
De desejo
Pálidas de medo
Cálidas, crisálidas

As palavras estão descabeladas
Em gestação
Na mudez aparente
De semente, dente, grão

As palavras nascem com asas
De silêncio
É preciso arrancá-las
Ao coração

A árvore

Poemas são como frutos
Nascem da árvore que nunca dorme
Eu a sinto agora mesmo aqui dentro, enorme
Chacoalhando pelo corpo dissoluto.
Eu bebo, mas é a árvore que fica bêbada
Eu como, mas é a árvore que se alimenta
Não sou eu, mas a árvore que vê comigo.
É ela que me obriga a ajoelhar-me
Ante o charme de um sorriso
Ou soa o alarme frente às pedras do caminho.
Minha árvore de poemas
Onde vez por outra pousa um passarinho.

Memórias do vento

As memórias então indóceis, querendo se libertar
Da cabeça para o corpo, do corpo para o ar
Irão embora com o vento, deixando um rastro de sonhos.
Saudade perguntará: onde está o coração?
As mãos perguntarão: onde estão as tuas mãos?
Os olhos perguntarão: onde puseram meus óculos?
Séculos de poeira na algibeira das calças
Os pés gastos em valsas desertas
Os gestos lentos, porém exatos.
Quantas léguas andarei sobre as águas
Até navegar nas estrelas?
Carrego à testa estas montanhas de vento, as memórias.
Tenho medo de perdê-las
Antes que possam se libertar
Da cabeça para o corpo, do corpo para o ar.

Cueca furada

Quando saio a negócios
Ponho camisa de seda, gravata francesa,
Sapatos italianos,
Calças de linho
E um ponto de exclamação na testa.
Por baixo, meias e cuecas furadas,
E o coração em festa.
Roubo da paisagem um sorriso idiota
Para impressionar os homens de negócios.
Escondo na cueca furada
A gargalhada dos ossos.

Naufrágio

Nada como a serenidade do mar pra morrer de amor
Uma loucura mansa nos abraça durante o naufrágio
Depois só o silêncio das ondas na concha dos ouvidos.
Aqui eu pagaria minhas sete vidas
Em eternas prestações de tardes
Bebendo o vinho imaginário de mulheres divinas.
Aluga-se um coração de pedra
Ancorado na vértebra da superfície.

*Poemas do livro “Escreve sua história – antologia poética”, Editora Fivestar, 2004.