Jorge Dias Salomão nasceu em Jequié, Bahia, a 3 de novembro de 1946. Irmão do poeta Waly Salomão, foi poeta, compositor e diretor de teatro. Trabalhou na revista “Navilouca”, criada por Waly e Torquato Neto, e também dirigiu diversas peças em Salvador, entre as quais “O macaco da vizinha”, de Joaquim Manuel de Macedo e “A boa alma de Setchuan”, de Bertolt Brecht, além de shows musicais, entre os anos de 1967 e 1969. Publicou seis livros: Mosaical (1996), O olho do tempo (1997), Campo da Amerika (1998), Sonoro (1999), Alguns poemas e + alguns (2016) e 7 em 1 (2020). Jorge Salomão faleceu no dia 7 de março de 2020, aos 73 anos, no Rio de Janeiro.
na sequência
Por entre os edifícios enfileirados
Passa uma corrente mágica
Eu e minha guitarra imaginária
Mandamos sons pras galáxias
Enquanto a tarde cai
Nenhum ai
Com a noite
A tempestade vem
Depois de um dia
Cheio de mar e sol
Com a noite
A tempestade vem
Na luz do dia
Vejo a noite
Na luz da noite
Vejo o dia
E entre balas
Bombas e beijos
A vida é um baile
Feito para se dançar
Se nosso amor é real
Não sei não
Mas de vez em quando
Acho que sim
A verdade é que hoje
Para mim tanto faz
Na sequência
Sempre acho que sim
*
um dia na vida
uma peça de estimação quebrou
crianças brincam no parque
bombas por todo o lado
velhos vomitam e dormem felizes
o incêndio queimou tudo
o lago apodreceu
céu cinzento sinto força e tristeza ao mesmo tempo
uma garça voa e bate o bico no avião
digo sim
levo um não
tento coisas em vão
tudo hoje tem
tem um quê de corrupção
um tempo sem mais ou menos
tempo cruel
cabeça divina
tudo é luz
tudo em ti é luz
eu figura escura
a te endeusar
tua luz me alucina
tua cabeça divina
tudo em ti é para cima
eu figura escura
a te endeusar
tudo em ti é luz
eu no meio do azul
a te mitificar
tudo em ti é luz
eu figura escura
querendo modificar
na tua luz me banhar
*
todo dia começa
mais um show de palhaços
pensando bobagens
aventuras na selva
a fome começa a provocar
fúria danada
serpente que se come
tem horas
tenho medo
de me desesperar
sair berrando por
aí sou trovador
nas cordas ácidas da viola
político
no sentido da linguagem
deliciando texturas
palavras
tudo tão exato
teus lábios
alvo sim
sou poeta na montagem
circulação sanguínea dos fatos
quero provocar a erupção
do parado vulcão
gastando mais
que posso goela
para que roupas se o que
queremos é cantar a nudez?
coisas pintando na sequência
talho certo
tensão por entre sílabas
velocidade demoníaca
sou do batuque
do estalo nasce a poesia
certezas na dúvida
tigre asiático
quantos atos tem a vida?
viajo entre belezas
céu azul metálico
seixos no chão
branca luz do sol
manifesto
a poesia
a matemática
os espaços
se ganhando
como risco luminoso
no sentido do universo
poesia e prosa
qual a novidade
a trapalhada atual?
tá na tua cara de criança
escrito entre riscos de beleza
de assalto toma tudo de vez
o que se passa entre os espelhos da alma
um coqueiro ao vento
tranquilo dia de vendaval
pelo retrovisor
os automóveis voam na avenida
você me chama de selvagem
é o que sou pela vida
acordes dissonantes rasgam as roupas
o eterno ontem
hoje um fósforo queimado
num tempo sobre um monte de dúvidas
pense aberto
aja de coração
verdadeiro e afiado
doa em quem doer
quem quiser segurar a dor
que segure
sou pelo prazer!
Os novos espetáculos
os novos espetáculos
devem acabar com a ideia do espaço
como se fosse um túmulo
devem tirar a palidez do espaço
devem abrir os espaços
devem irradiar alegria vigor
devem cuidar do corpo
devem ter cabeça
devem ter emoções
devem ir ao fundo
devem ser como a serpente
devem mover atmosferas
devem ter a boca aberta
devem andar
devem ter ritmo
devem ter pensamento
devem ser como a fogueira
devem ter a paixão
devem queimar
devem sair do ovo
devem parir
devem respirar
devem aparecer
devem manter acesa a chama do
espetáculo da Terra
*Poemas do livro “7 em 1 “, Editora Gryphus, 2019.