Luís Oliveira de Andrade, mais conhecido por Luís Pignatelli, nasceu em Espinho, Portugal, a 1º de janeiro de 1935. Poeta e jornalista, ficou conhecido por suas colaborações em importantes suplementos literários, apresentando, além de sua própria obra, uma grande abertura para outros poetas do pais, como seus amigos Heberto Helder, António Quadros, Mário Cesariny e Manuel Alegre. Também atuou como tradutor, publicando obras de nomes como Ana Freud, Juan Carlos Oneti e Pablo Neruda.

Pignatelli estreou na literatura aos 18 anos de idade, na revista “Bandarra”, ainda assinando como Luís de Andrade. Continuou a colaborar com a revista até fixar residência em Coimbra, no final da década de 50. Nesta época sua poesia ganhou notoriedade, principalmente a parte lírica, relacionada ao romantismo clássico. Após 1965, quando se mudou para Lisboa, juntou-se ao grupo de poetas “neorrealistas”. Influenciado pelo modernismo, passou apresentar poemas em estruturas livres e temas mais abstratos.

Luis Pignatelli faleceu em Lisboa a 20 de dezembro de 1993. 

não é fácil o amor

Não é fácil o amor melhor seria
Arrancar um braço fazê-lo voar
Dar a volta ao mundo abraçar
Todo mundo fazer da alegria

O pão nosso de cada dia não copiar
Os males do amor matar a melancolia
Que há no amor querer a vontade fria
Ser cego surdo mudo não sujeitar

O amor ao destino de cada um não ter
Destino nenhum ser a própria imagem
Do amor pôr o coração ao largo não sofrer

O males do amor não vacilar ter a coragem
De enfrentar a razão de ser da própria dor
Porque o amor é triste não é fácil o amor

epifania

oh que feridos somos desta luz
crua tão desalojados
que pássaros em voo caindo
em águas de rios congelados

nos roubam toda a sombra
dos campos inaugurados

arte poética

O ar sorvido de noite
fina lua junto ao mar

quebrado espelho d’agua
afogado rosto cego

sai da noturna paisagem
rasga a brancura das folhas

enrola-se nos espinheiros
faz seu casulo de sedas

a mão ferida apaga a sombra
a areia solta-se das redes

o corpo regressa ao vento
brilham escamas na argila

ressalta o veio da mina
a luz alisa as moedas dos olhos

litofagia

ácida esta água diria a concha
desta grave mão que a aparasse
dessoutra concha de seu braço
e sobre o pétreo lintel se entornasse

como um aluvião submerso o rosto
ficaria nessa mina onde nenhuma lua
espelharia a lacerada carne nua
do amante em venenosa hidra

transformando para sempre na pedra
corrompida de lodoso tanque o corpo
adormecido pela estremecida vara

dágua onde negra gavinha se incorpora
como larva de vorazes línguas eriçadas
latejando em sua boca com um coração de lava

elegia

Os olhos que voando se afastavam
das margens do teu corpo (aonde o sono ?)
meus olhos, finos ramos, acordavam

– ou eram finas aves no outono ?

e já do silêncio se ausentavam
teus olhos que a noite dissipou
ou lobos, os meus, teus olhos devoravam

– que parte do teu corpo em mim ficou ?

tua pele…

Tua pele devolvia-me
algo remoto. (É isto
um poema de amor ?
É um canto de luto
ou de esperança ? Um hino
triunfal ou uma nostalgia
acariciada sobre
a realidade ?)
.     Não havia
ninguém, senão nós.
Uma garrafa, um livro,
um cinzeiro. Agora
a vida é de cristal,
de metal, de papel.
Agora é a garrafa
mais bela que uma flor.
O cinzeiro tem
o sonâmbulo brilho
das ondas. O livro
é uma rocha… (É isto
um poema de amor  ?)
Numa casa de penumbra,
entre o fumo que nos
afasta… (É isto
um poema de amor  ?)
– Sem falar… (nada está
dito ainda…) Sem falar…

*Poemas do livro “OBRA POÉTICA 1953-1993”, Editora &etc, 1999.