Por Igor Calazans

O brilhante Rubem Alves, um dia, em uma entrevista, indagou a razão de só oferecermos sacrifícios a Deus como troca de promessas. Para ele, seria muito mais condizente e eficaz, celebrarmos os milagres divinos, saudando-os, por exemplo, com um bom poema de Fernando Pessoa, e não subindo e descendo 400 degraus de joelhos uma vez por ano. Seguindo os conselhos do Mestre, por que não celebramos a ceia de Natal lendo poesia para a família? Veja, abaixo, 5  olhares poéticos sobre a importância da data e que podem tornar esse momento ainda mais abençoado.

Feliz Natal a Todos e Todas!

Poema de Natal (Vinicius de Moraes)

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos…
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Estrela da Natividade (Joseph Brodsky)

Numa estação invernal, em um lugar mais afeito ao calor
que ao frio, mais a planuras que a montanhas,
para salvar o mundo, em uma gruta nasceu um menino.
Nevava como só acontece em desertos no frio, em toda parte.

Ao infante tudo enorme parecia: o seio da mãe, o vapor
das narinas dos bois, o grupo dos magos – Melchior,
Gaspar e Baltazar – e suas prendas à entrada da gruta deixadas.
Ele era apenas um ponto, assim como o era a estrela.

Atenta, sem pestanejar, por entre pálidas nuvens esparsas, de longe
– das profundezas do universo, de seu extremo oposto –
sobre o menino na manjedoura, ao interior do presépio mirava
aquela estrela. E era do Pai aquele olhar.

Poema de Natal (Cora Coralina)

Enfeite a árvore de sua vida
com guirlandas de gratidão!
Coloque no coração laços de cetim rosa,
amarelo, azul, carmim,
Decore seu olhar com luzes brilhantes
estendendo as cores em seu semblante

Em sua lista de presentes
em cada caixinha embrulhe
um pedacinho de amor,
carinho,
ternura,
reconciliação,
perdão!

Tem presente de montão
no estoque do nosso coração
e não custa um tostão!
A hora é agora!
Enfeite seu interior!
Sejas diferente!
Sejas reluzente!

Versos de Natal (Manuel Bandeira)

Espelho, amigo verdadeiro,
Tu refletes as minhas rugas,
Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados.
Espelho, amigo verdadeiro,
Mestre do realismo exato e minucioso,
Obrigado, obrigado!

Mas se fosses mágico,
Penetrarias até o fundo desse homem triste,
Descobririas o menino que sustenta esse homem,
O menino que não quer morrer,
Que não morrerá senão comigo,
O menino que todos os anos na véspera do Natal
Pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta.

Natal (Igor Calazans)

Nascemos, vivemos e morremos.
Para onde? Quando? Perguntas
que alargam os olhos a cada ano
que passa.
Mas, uma dúvida à mesa
fica: Quem foi o primeiro a morrer
por nossa família?
E a resposta, inacabada,
expõe-se à frente das próprias palavras,
e ditas antes das preces serem
ouvidas, o dia anuncia a chegada:
– É uma nova era de graças,
que suscita a paz e a dádiva
de ser o tempo humanal
a aura da alma carnal
na luz da forma
divina.