Samba e Poesia: 10 Poetas do Samba Brasileiro
Assim como Candeia cantou, em “Testamento de Partideiro”, que o sambista não precisa ser membro da Academia para ser poeta, muitos dos mais enaltecidos pensadores do Brasil são de origem popular e têm na linguagem musical a expressão ideal para ecoar os seus versos. Apesar de alguns críticos não darem o braço a torcer e ainda relutarem em considerar canções como uma forma de poema, é impossível negar que a alma natural de um poeta extrapola os limites da compreensão de qualquer catedratismo teórico.
Pensando nisso, se pudéssemos “comparar” grandes nomes da poesia literária nacional com alguns dos maiores bambas brasileiros, com certeza daria samba! A mim coube essa elucubração deliciosa: preparar uma listinha relacionando o estilo de cada poeta (da música e da literatura), traçando um paralelo entre as suas obras e características marcantes. Desde já, peço desculpas àqueles tantos que não estão na listagem. Por favor, sintam-se igualmente homenageados e parte representativa desse grupo tão especial.
Veja, abaixo, os meus 10 poetas do samba e com quem eles se parecem na literatura:
CARTOLA
Nome mais famoso do samba brasileiro de todos os tempos, Cartola é o exemplo perfeito dos ditos “poetas de alma”. Mesmo sem saber ler e escrever direito, foi praticamente autodidata para compor suas canções ao violão. Autor de “As rosas não falam” e “O mundo é um moinho”, os seus versos de amor pleno, muitas vezes inalcançados, saudosismos singelos e de profunda beleza, trazem características que se aproximam bastante aos poetas da segunda e da terceira geração do Romantismo literário no país.
Cartola e Machado de Assis – Por tudo isso, poderíamos comparar, dadas às devidas proporções, Cartola a Machado de Assis. Também de pele negra e nascido em um morro carioca, o Morro do Livramento, o escritor tem trajetória parecida com o “Poeta da Mangueira”, ainda mais se lembrarmos de que ele também foi praticamente autodidata e se tornou um patrimônio cultural do país, respeitado mundo afora.
NOEL ROSA
O “Poeta da Vila”, fosse acadêmico, poderia ser considerado um Modernista da “Geração de 30”. Com letras irônicas, polêmicas e inovadoras, muitas vezes desconstruindo métricas rigorosas, Noel trouxe uma grande revolução às composições de samba na época. Autor de eternos sucessos, como “Com que roupa?”, “Três Apitos” e “Conversa de botequim”, ele era um letrista intenso e prolífico, deixando, em apenas 26 anos de vida, mais de 200 composições.
Noel Rosa e Carlos Drummond de Andrade – Por causa dessa inventividade poética das obras musicais de Noel, poderíamos compará-lo a Drummond, um dos principais nomes da Segunda Geração Modernista. Entre rimas e temas um pouco mais “diferentes” que os habituais da época, os dois também desenvolveram grande habilidade para sintetizar as peculiaridades cotidianas. Se você perceber, o poema de Drummond, “A Quadrilha”, onde no final J. Pinto Fernandes, que nada tinha a ver com a história e, mesmo assim, casa-se com Lili, encaixaria perfeitamente em mais um sambinha debochado de Noel. Não acham?
CANDEIA
Primeiro compositor citado nesse texto, Mestre Candeia, mesmo visto como um sambista tradicional, pode ser considerado um “intrínseco” vanguardista. Tanto que é reconhecidamente um dos responsáveis por dar nova identidade ao jeito carioca de cantar samba, sendo figura ímpar do “Partido Alto”, estilo musical que agrega versos livres e total espontaneidade. Autor do clássico “Pintura sem arte”, Candeia parecia ter sempre as palavras certas na ponta da língua, produzindo obras extremamente líricas em rimas profundas e pouco usuais.
Candeia e Oswald de Andrade – Por conta dessa facilidade de improvisar, inovar e fugir do comum, mas sem perder a essência do sentimento e a raiz da tradição, Candeia e o poeta paulista Oswald de Andrade podem ter suas obras aproximadas. Tanto que, assim como o sambista, Oswald de Andrade também escreveu o seu testamento artístico, no romance “Meu Testamento”, publicado em 1944.
DONA IVONE LARA
A “Joia Rara” do samba nacional encabeça o time das artistas que venceram o preconceito e elevaram a voz feminina na luta por igualdade. Uma das fundadoras do Império Serrano, no final da década de 40, em 1965 entrou para a história como a primeira mulher a fazer parte da ala de compositores de uma escola, tendo o seu samba-enredo, “Os cinco bailes da história do Rio”, escolhido para o desfile de carnaval daquele ano. Autora de clássicos como “Sonho meu” e “Acreditar”, fez de seus versos a extensão de sua alma libertária.
Dona Ivone Lara e Carolina de Jesus – Se não bastassem serem mulheres negras e que precisaram lutar muito para terem as suas obras reconhecidas, as duas poetas carregam em seus versos o olhar lúdico de quem sonha, vive e busca realizar. Muitas vezes utilizaram a essência das flores como alter ego, deixando os principais sentimentos à mostra, sem menor sinal medo ou desvelo.
PAULINHO DA VIOLA
É considerado o poeta mais “erudito” da história do Samba. Como poucos, Paulinho da Viola varia versos complexos e palavras rebuscadas às ideias populares e rimas singelas, embaladas sempre por uma melíflua melodia. O acalanto de sua voz muitas vezes parece declamações poéticas dentro das canções. Autor de “Foi um rio que passou em minha vida” e “Coração leviano”, as obras do sambista abordam temas como a inconstância do amor, os hábitos cotidianos e os sentimentos mais genuínos das pessoas em suas diferentes fases da vida.
Paulinho da Viola e Olavo Bilac – Por usarem a língua portuguesa ao extremo e, mesmo assim, compor rimas singelas, Paulinho e Bilac conseguem majestosamente aproximar as vertentes do erudito à compreensão popular. O tom saudosista, muitas vezes melancólico, do sambista também pode se encaixar perfeitamente aos poemas parnasianos de Olavo Bilac, considerado o autor mais popular desse gênero literário.
PAULO CÉSAR PINHEIRO
Paulo César Pinheiro não só é um dos maiores compositores da MPB, como também possui livros de poesia. Escreveu canções consagradas nas vozes de Elis Regina, Clara Nunes (sua ex-esposa) e do seu eterno parceiro João Nogueira. Como poeta, especializou-se em sonetos, com métricas precisas e que se encaixam facilmente em qualquer melodia. Na maioria das obras, aborda temas existencialistas, de amor, amizade e religião. Também expõe fortes reflexões políticas e busca, nas raízes brasileiras, exaltar a essência cultural do regionalismo.
Paulo César Pinheiro e Vinicius de Moraes – Essa comparação é tão comum que o próprio Paulo César Pinheiro confidenciou, em sua autobiografia, que Vinicius, bem mais velho do que ele, parecia sentir uma pontinha de ciúme quando eles se encontravam entre amigos pela boemia carioca. Com diversos parceiros em comum, principalmente o músico Baden Powell, os dois faziam das composições musicais uma forma de se abstraírem da erudição literária. Dois sonetistas de carteirinha, os assuntos abordados por ambos também passam em uma linha tênue de pensamento.
NELSON CAVAQUINHO
“Tire o seu sorriso do caminho / Que eu quero passar com a minha dor…”. Segundo Manuel Bandeira, o verso inicial de “A Flor e o Espinho”, mereceria fazer parte de qualquer antologia poética do Brasil. Dono de uma lírica parnasiana e um jeito muito doce e peculiar de ser melancólico, Nelson Cavaquinho vivenciava a espera da morte e exaltava a dor de amar com rimas singelas e cantos afáveis. Deixou mais de 600 canções que expressavam solidão e a sua total adoração pelas coisas mais simples.
Nelson Cavaquinho e Manuel Bandeira – Além de toda admiração de Manuel Bandeira por Nelson Cavaquinho, grande parte das obras poéticas do escritor também circundavam o parnasianismo e pareciam ser feitas pensando em músicas. Não era à toa que Bandeira vivia acompanhado de um violão. A fama de mulherengo também é outra coincidência entre os dois poetas.
LUPICÍNIO RODRIGUES
Dono de uma fineza absoluta, classe de fidalgo e sensibilidade à flor da pele, Lupicínio Rodrigues é decerto um dos maiores simbolistas da música brasileira. Autor de “Cadeira Vazia” e “Vingança”, o gaúcho trouxe originalidade às canções em versos que fugiam da banalidade. É visto como um dos percursores do estilo “dor-de-cotovelo”, por tratar as próprias desventuras amorosas de peito aberto, com enorme hombridade e altivez.
Lupicínio Rodrigues e Cruz e Sousa – Negro, boêmio, parnasiano, romântico… Com toda a certeza Lupicínio Rodrigues está para a música como Cruz e Sousa para a literatura. Inclusive, essas características tão próximas dos dois, faz-me acreditar que o cantor teve o escritor como fonte de inspiração em suas obras e, talvez, também na vida. Rimas fortes, muitas vezes sombrias, que sentem, choram e clamam visceralmente, não encobrem, ao mesmo tempo, a ternura dos versos desses dois autores.
ADONIRAN BARBOSA
Se tratando de originalidade, Adoniran Barbosa é a imagem da criatividade em pessoa. Principal representante do “samba paulista”, o compositor trouxe às músicas um sentido novo às palavras, utilizando formas coloquiais, gírias e sotaques, aproximando o canto a mais profunda percepção regional. Autor de “Trem das onze” e “Saudosa maloca”, fez do estereótipo paulistano um personagem adorado e cantado por todo o Brasil.
Adoniran Barbosa e Guimarães Rosa – Cheio de neologismos e compondo personagens através da cultural regional, Adoniran Barbosa se aproxima bastante das ideias literárias do poeta mineiro João Guimarães Rosa. A inventividade, os cenários, a forma brasileira de se expressar, de acordo com a vivência e cultura de cada parte do país, faria de Adoniran uma figura do Terceiro Tempo do Modernismo, caracterizado pelo não comprometimento com as técnicas tradicionais de escrita.
SILAS DE OLIVEIRA
O autor de “Aquarela do Brasil” não poderia ficar de fora. Samba-enredo escrito em 1975, para o desfile de carnaval da escola Império Serrano, Silas de Oliveira mal poderia imaginar que a sua composição se tornaria uma obra-prima da música brasileira e um hino nacional do samba. Apresentando versos ricos de exaltação à pátria, o poeta percorre cada canto do país apresentando a cultura e as belezas regionais. Ou seja, se pararmos para pensar, o sambista faria parte importante da 1ª geração do Romantismo literário nacional, da primeira metade do século XIX.
Silas de Oliveira e Gonçalves Dias – “Aquarela do Brasil” está para o samba como a “Canção do exílio” está para a literatura nacional. As duas obras são símbolos nacionalistas e de exaltação às raízes brasileiras, apresentando os gêneros líricos e épicos.